O lançamento de mais esta obra de Angela Davis o Brasil, além de permitir ao público leitor acompanhar a saga dessa conhecida ativista contra as diversas formas de submissão humana, tem um significado especial neste momento tão crítico da sociedade brasileira. Vários grupos de movimentos sociais têm vivido certo sentimento de desesperança e impotência ao avaliar os resultados de lutas e demandas colocadas pela sociedade civil há anos. Constata-se um ausência de ações coletivas que efetivamente embarguem as decisões tomadas no âmbito do poder político que nos últimos anos vêm afrontando o povo. A militância brasileira, tão ativa em diversos espaços de luta - das associações de moradores aos partidos políticos -, tem assistido, perplexa, às perdas de várias conquistas no âmbito das políticas públicas, na área da educação, da cultura, da saúde e outras.
Essa agressão do Estado brasileiro, principalmente às populações pobres, causa desânimo ao ativismo social. Percebe-se quão longe estamos de uma mudança estrutural na política brasileira, que implique mudanças efetivas na condição de vida da maioria, onde desde o processo histórico da escravização dos africanos e seus descendentes se encontra a maior parte dos afro-brasileiros. Portanto, a leitura da presente obra pode nos recolocar em um espaço próprio, o da resistência, o de nunca desistir da luta que de ser empreendida. Reencontrar, por meio deste livro, o pensamento, as ações, o comprometimento de Angela Davis com as lutas que ultrapassam as questões vividas em solo nacional nos ensina também a pensar a nossa luta em relação a todos os "condenados da terra", como escreveu Frantz Fanon. O persistente e ousado ativismo de Davis, que vem sendo empreendido desde os anos 1960 até a contemporaneidade, nos ajuda na recuperação de nossas forças. A voz e os punhos cerrados para cima, a estética do cabelo black power e de outras e outros afro-americanos reverberaram em solo brasileiro, inspirando a militância negra, ainda nos finais dos anos 1960. Neste livro reencontramos a intelectual Angela Davis que tem mantido especiais diálogos com as ativistas negras brasileiras. As publicações de sua autoria, as entrevistas, os discursos, tudo nos traz novas orientações para pensar a luta contra o racismo, o machismo, o sexismo e outras formas de subjugação existentes em nossa sociedade. E o teor dessa nova obra que acaba de ser publicada insiste com veemência em aspectos que particularmente considero primordiais para fortalecer nossas ações: a compreensão de que nosso comprometimento deve se estender também às outras e novas lutas reivindicatórias de direito à liberdade e à vida (nosso ativismo nos pede uma compreensão, uma visão global sobre a luta afirmativa empreendida por todas as identidades agredidas nos mais diferentes espaços geográficos); e uma outra reflexão, tão necessária à nossa militância atual, em qualquer campo de atuação, de que nossas ações deve ser incorporadas e compreendidas no coletivo.
Angela Davis afirma que a sua luta é inspirada pela solidariedade do coletivo e nos adverte sobre o cuidado que devemos ter para não buscar a "representação da história como o trabalho de indivíduos heroicos", e sim o reconhecimento das pessoas como "parte de uma comunidade de luta sempre em expansão", crendo, pois, no coletivo como um "agente potencial" de mudança.
Sigamos na leitura, recepcionando o pensamento de Angela Davis entre nós.
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