desenvolvido no campo das pesquisas antropológicas, a noção de letramento logo se revelou importantíssima para outras áreas de conhecimento e, sobretudo, para a teoria e a prática pedagógicas. Afinal, a introdução da escrita na vida dos indivíduos e dos grupos sociais causa profundo impacto e lança uma grande responsabilidade sobre aqueles que a promovem. Daía importância de conjugar as ações de alfabetização - a a quisição da tecnologia do saber escrever/ler - com a promoção contínua do letramento - o uso socialmente situado dessa tecnologia e seu poder de intervenção na vida do cidadão e das comonidades.
Poderíamos traçar aqui, talvez, um paralelo com a ampliação, também ocorrida no domínio da antropologia, da noção de competência linguística (o conhecimento intuitivo que todo falante tem do funcionamento de sua língua materna) para a de competência comunicativa: a ativação desse conhecimento linguístico em diferentes situações e contextos de interação social por meio da linguagem. Assi, não basta saber "a língua", é preciso aprender a usar essa língua como atividade de inter-relação e de transformação social. De igual modo, não basta "saber ler e escrever", é preciso aprender onde,quando, o que, de que maneira, como que objetivos, sociopolíticos, com que expectativas, com quem e para quem ler e escrever.
No Brasil, os estudos sobre letramento, embora relativamente recente, já têm produzido importantes frutos teóricos e práticos. É possível dizer que, atualmente, todos os programas e políticas importantes de ensino de língua trazem a marca desses estudos. Mais recente ainda, porém, é a busca de interlocução efetiva entre os conceitos de alfabetização e de letramento, uma interlocução de um ensino de língua efetivamente capaz de inserir os aprendizes no tipo de cultura que é a nossa comtemporânea, uma cultura eminentemente letrada.
Os artigos reunidos neste volume se encaminham precisamente na direção de identificar e conectar os fios capazes de unir alfabetização e letramento num único esforço teórico-prático de constituição de um saber e de um agir efetivo contra as disparidades sociais ainda tão profundas no Brasil, que separam numa hierarquia injusta os que têm pleno domínio dos recursos da cultura letrada daqueles que não o têm e dos quais, porém, num flagrante parodoxo, esse domínio é incessantemente exigido.
Marcos Bagno