As depressões de Herta Müller não são psíquicas. São geológicas: terras baixas, vales, fossas. São também buracos onde se dá a putrefação humana: o caixão, a cova, a latrina.No relato que dá título ao livro, a menina vê o pai no ataúde. Vaga entre sepulcros. Chora sentada na privada porque é proibida de chorar sem razão. Senão a mãe a espanca e diz: agora você tem motivo para chorar. Avós, pais e neta se sucedem na banheira para fazer a higiene semanal, afundam na mesma água onde boia a sujeira do clã.Se os lugares e coisas são insalubres, os temas dos contos de estreia da Nobel de Literatura são lúgubres: alcoolismo, solidão, adultério. Sobretudo violência. Dos homens com as mulheres, das mulheres com as crianças, das crianças com os bichos, de todos com todos. Depressões cava fundo nas baixarias da Romênia rural do pós-guerra. Mostra que a cultura camponesa, a Igreja Católica e o stalinismo se enraizavam na opressão patriarcal. Herta Müller revela um submundo cujas sombras se projetam no presente.
Mario Sergio Conti - Colunista da Folha