Estilista consumado, dono de um fraseado em que mescla, a um só tempo, a observação irônica, a viagem sentimental, o detalhismo sensorial e a musicalidade de alguém que leu atentamente Machado, Proust e os modernistas, Pedro Nava faz deste Galo das trevas mais um monumento definitivo de nossa prosa memorialista. Poucas páginas em língua portuguesa descrevem com tanta beleza e inteligência as noites em claro, não raras vezes desesperadoras, provocadas pela insônia, essa satânica inimiga do descanso do corpo e dos sentidos.
E Nava vai além: como nos volumes anteriores das Memórias, este é mais um passeio pela trajetória do autor e pela própria história do Brasil. Uma narrativa em que público e privado, campo e cidade, ignorância e ilustração, pobreza e opulência se misturam, produzindo um painel amplo e fecundo de nossa vida íntima e social.
Dividido em duas seções, “Negro” e “O branco e marrom”, Galo das trevas foi escrito entre 1978 e 1980, quando o autor, já consagrado pelos quatro volumes anteriores, dava pleno prosseguimento ao seu projeto literário, um dos mais ambiciosos de nossas letras. Acompanhamos nessas páginas o balanço autobiográfico, as observações (atiladas, como de costume) sobre o presente do país, a narrativa – esclarecedora sobre um Brasil do passado – a partir de suas desventuras como médico nos grotões do mundo rural, ainda intocado pela modernidade, e lampejos sobre a Revolução de 30, que deixaria marcas indeléveis em sua geração. Por essas razões, o ciclo memorialístico de Pedro Nava vem sendo saudado, desde seu aparecimento há quarenta anos, como um dos mais poderosos momentos da prosa e da sensibilidade brasileiras.