"Eu me tornei eu mesma. Uma mulher que olha / pra uma mulher e diz: aqui eu te encontrei."
No cruzamento de geografias e tempos, culturas e línguas, entre a violência colonial e a descoberta do amor, Dionne Brand faz da sua poesia um campo para elaborar uma narrativa própria de mulher negra e diaspórica, e novas maneiras de estar no mundo.
“Em Nenhuma língua é neutra, a poeta Dionne Brand, nascida em Trinidad e Tobago e radicada no Canadá, nos move a ouvir o ‘arrastar de correntes e gongo de cobre’ e os ‘falsetes de chicote’ no sotaque da ilha caribenha, cuja gramática é composta por uma violência colonial incontornável. Porém, se a violência constitui a língua, é por meio da poesia que Brand pode criar um lugar de autodescoberta baseada numa interlocução amorosa e ética com mulheres negras, insinuando outras formas de habitar o mundo.
Nos nove poemas que compõem o livro, Brand constrói um eu-lírico que se apoia na captura fugidia do que é insondável e intraduzível nos termos de um discurso pretensamente neutro, como a risada de uma militante presa que reverbera nos muros de uma prisão ou a revolução que se torna leve nos lábios de uma mulher amada.
Sem deixar de sentir o ‘cheiro árduo, nítido, quebradiço da escravidão’ da terrível beleza da ilha caribenha, Brand fala de um amor por uma praia que é preta, ‘não branca que nem sinhá’, onde ‘suor e doçura’ respingam de mulheres que aprenderam a não chamar a dor de desespero.
Nesse processo, Brand demonstra como a língua oferece a possibilidade de tentar “imaginar um mar que não sangrasse” e, ao mesmo tempo, olhar as incontidas e transbordantes lágrimas de mulheres pretas demais chorando. E, navegando nessas águas cheias de conchas e grilhões, a poeta pode, como no último poema, pensar em envelhecer ao lado de outra mulher, cujo hálito em sua bochecha anuncia outro futuro, quando a língua, além de não ser neutra, pode ser puro mel e correr como as águas de Oxum.”
– Fernanda Silva e Sousa