Um homem se afoga em seu próprio corpo; borboletas voam da cabeça de um rapaz; um pai recebe cartas anônimas. Os contos da terceira coletânea de Caio Fernando Abreu (1948-96), de 1977, falam do absurdo nas vidas comuns. Em 1977, o escritor e dramaturgo Caio Fernando Abreu, então com 28 anos, organizava sua terceira coletânea de contos, Pedras de Calcutá. O livro assinalava a conclusão de uma trajetória pessoal de independência em relação ao estado natal (Caio ampliara sua carreira jornalística para São Paulo e Rio de Janeiro), ao país (vinha de um período de três anos de auto-exílio em Londres, Estocolmo e Amsterdã) e afirmação de liberdade pessoal e não-submissão ao arbítrio do regime militar. Com tudo isso, tratava-se de uma obra extremamente representativa do que se passara com muitos jovens no mundo todo. Dividindo o volume em dois ciclos, os contos "Mergulho I" e "Mergulho II" assinalam os temas dominantes. De um lado, a vivência quase alucinatória da própria experiência física, objeto de narrativas atormentadas em que o corpo dos personagens suporta o drama de suas vidas. De outro, indivíduos em busca de fatos capazes de oferecer um desfecho para situações tão insuportavelmente em suspenso que toda possibilidade de solução representa ansiedade, tensão e expectativa quase desesperadora. De cada ação se deseja extirpar uma dimensão anterior e conflituosa: da morte, a sua espera (como em "O inimigo secreto"), da decisão, o imobilismo que a antecede ("Divagações de uma marquesa"), do amor, a hesitação ("Aconteceu na praça XV" e "Joãozinho e Mariazinha"). "Pedras de Calcutá é, na sua quase totalidade, um livro de horror"- definiu Caio Fernando Abreu. "Principalmente (mas não unicamente) da minha geração."