De um livro de poemas escrito com o corpo todo, como este Quadril & Queda, de Bianca Gonçalves, não se deve deixar escapar nenhum detalhe. Qualquer deslize pode quebrar o ritmo a que a poeta nos convida. Desde a epígrafe de Harmony Holiday (“Reparations begin in the body”), que não deixa dúvida de sua vocação política, passando pela dedicatória às “meninas que dançavam escondido” (reparem que o verbo aponta para o passado e, assim, atiça o presente), este livro se articula com o vigor e a beleza de um corpo que se ergue e dança, encanta e luta.
É desse corpo — “com pesos, grooves, curvas, swings, bounces e circularidades”, como nota Adnã Ionara no texto de orelha — que se projeta uma voz cuja força impressionante é da mesma natureza da liberdade e da altivez que se descobrem e afirmam entre passinhos e diplomas. A menina, cada vez menos menina, fala alto: “meu ventre pra frente e/ pra trás pra frente e/ pra trás: o ocidente inteiro/ em derrocada”.
O livro começa com uma série dedicada “Às funkeiras” e se divide em duas partes nomeadas com as palavras que formam o título. Em “Quadril”, o corpo afronta os limites do mundo e se mostra: a cintura que a calça não esconde, o “umbigo em sacrifício” no inverno, “tanta raba de fora”. Não resta dúvida de que “a menina está crescendo/ e não há nada/ que possa contê-la”. Em “Queda”, ainda que a música cesse e a dança dê lugar a outras formas de luta, é possível ver como se elabora essa dança para além da dança que é, para as mulheres negras, poder dizer não a tudo que lhes oprime.
A poeta faz vibrar os diferentes ritmos do universo de referências do baile e da vida em torno do baile. Escreve como quem dança, mas também como quem luta, e convoca a avó, a mãe, as mulheres todas da família, da vida, da história: “uma preta, duas pretas, todas/ que são orgulho pra família/ toda, todas com beca e/ diploma/ vingarão”. Sim, aprendemos com Bianca Gonçalves que dançar é vingar. E é só o começo.