Sempre repórter

Sempre repórter Lillian Ross




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Ela viveu quase cem anos. Destes, trabalhou perto de seis décadas na icônica revista The New Yorker, na qual publicou mais de quinhentos textos e tornou-se uma das jornalistas mais cultuadas e admiradas no mundo. Lillian Ross (1918-2017), precursora do jornalismo literário, inovou a forma de contar histórias e fazer reportagens, com seu jeito único de apurar e, depois, descrever o que viu e ouviu. Sempre repórter – Textos da revista “The New Yorker”, foi o último livro que publicou em vida, no qual reuniu 32 daquelas que considerou suas melhores reportagens. A coletânea, editada pela primeira vez no Brasil, tem tradução de Jayme da Costa Pinto e posfácio do jornalista e editor Paulo Roberto Pires.
Os textos que a autora selecionou para a antologia, confeccionados com seu estilo inimitável, retratam uma série de figuras – públicas, anônimas ou quase celebridades. Figurões como Charles Chaplin, Al Pacino, Fellini e Coco Chanel dividem as páginas com uma jovem enfermeira que disputa o concurso de Miss América, um grupo de alunos do interior dos Estados Unidos que visita Manhattan pela primeira vez, ou Ernest Hemingway, recém-chegado de Havana, que vai comprar pantufas na Quinta Avenida.
Na Introdução, a autora conta que se interessava pelo jornalismo “desde que se entende por gente”. Narra também como foi sua chegada à New Yorker, em 1945, quando o editor e fundador da publicação teve, um tanto contrariado, de admitir três mulheres na redação – para preencher as vagas de repórteres homens convocados para a guerra.
No início, Lillian Ross era obrigada a usar o “nós” em seus textos, de forma a omitir o fato de ser mulher, e até sugerindo o contrário. Mas não durou muito. Em pouco tempo, sua autoria se tornaria inconfundível e a assinatura, incontornável. Partindo da ideia de “contar histórias como se fosse um filme”, publicou as primeiras reportagens nas quais, assumindo a primeira pessoa, e criou sua marca registrada.
“O perfil de Ernest Hemingway que escreveu, no formato de um conto, em 1950, e a reportagem, publicada em cinco partes, sobre as filmagens de A glória de um covarde, de 1952, estabeleceram um novo padrão na revista, pela inventividade da escrita e a verve literária”, escreveram a jornalista Erin Overbey e o editor Joshua Rothman no obituário da jornalista, publicado na própria New Yorker.
Paulo Roberto Pires descreve, no posfácio da edição, o estilo de Lillian Ross: “Uma escrita sem firulas, enxuta mas não telegráfica, coloquial e jamais prosaica. Ao comentário e à especulação, prefere o con­creto, fruto da observação direta: se debruça sobre o mundo a partir do que a vista alcança para, assim, ir além do que é evi­dente”.
Sempre repórter é dividido em quatro partes: Atores, Escritores, Jovens, Novaiorquinos e Figurões. Os textos têm tamanhos e formatos variados. Cronologicamente, o primeiro, de 1948, é uma reportagem sobre a patrulha macarthista em Hollywood, contada a partir da figura da cadela Lassie – que era macho, por sinal. Há perfis que se tornaram peças célebres do jornalismo literário – como o retrato de Ernest Hemingway, que gerou polêmica entre os fãs do escritor, que o consideraram cruel em relação à imagem de um dos maiores escritores do século XX.
A sensação que se tem, ao ler o apanhado de textos da jornalista, é de que nada escapa a seu faro de repórter e capacidade de observação: o olhar encantado da jovem atriz Julie Andrews vendo seu nome na entrada de um cinema pela primeira vez; o comportamento dos pais das candidatas de um concurso de Miss; a reação (negativa) de clientes adolescentes de uma loja de discos ao lançamento do álbum Sgt. Peppers, dos Beatles; a dinâmica doméstica da família de Robin Williams; um Charlie Chaplin meio perdido em um quarto de hotel de Nova York; os vícios de linguagem de um toureiro do Brooklin; os nomes pelos quais o mais ousado negociante de pedras preciosas do mundo chama seus diamantes; o cachorro-quente que o tenista aposentado John McEnroe come antes de entrar na cabine de transmissão de uma partida do US Open; ou, no perfil mais recente do conjunto, o hábito da atriz Ellen Barkin usar sapatos de salto alto para aliviar as dores causadas por quatro hérnias de disco.
É a própria Lillian Ross quem afirma: “Não importa se já se escreveu muito ou pouco sobre uma pessoa, sempre acho o que dizer”.





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