“O poema é uma pedra no abismo/O eco do poema desloca os perfis [...]”. Os primeiros versos de “O Poema”, de Mário Quintana, bem definem o que o leitor sentirá ao se deparar com o instigante “Teoria Geral do Abismo”, de Bruno Félix. Não há como não tremer nas bases, ao primeiro contato com os versos do livro. Uma sensação de inadequação. Um incômodo. Uma angústia e, ao mesmo tempo, a absoluta certeza de que há, por você e por mim, “uma voz que clama no deserto”. E não se sai incólume. Acaso, pedra tem asas? Nos versos de Bruno, sim. Suas Palavras, flechas na mão de exímio arqueiro, acerta o alvo. Poesia que nos abrem os olhos para que não nos conformemos com o mal. Bruno transita com facilidade entre a denúncia do egoísmo hedônico, que grassa nesse tempo presente, e o amor insistente e incondicional que ainda hoje, cobre multidão de pecados. Teoria Geral do Abismo incomoda porque se tratar de prosa crua que sangra sobre a mesa de um restaurante. Incomoda, ainda, porque seus versos rasgam os céus ao expor, por exemplo, o anjo sírio que bebe sal, areia e azul e... morre na praia de nossas indiferenças. Seus versos são navalha e ternura. São grito, eco e faca que corta a mordaça. A Poesia de Bruno Félix é grave, cínica, debochada, cruel, mas, acima de tudo, meiga, gentil, amorosa, comprometida, por isso mesmo, desafiadora e humana. “Oh deus de Bach De Isaac, Nietzsche e de Abraão!/Escutai o poeta triste/Mas ignorai essa oração!/Oh deus cego e todo tenebroso [...] Ai! Rogo que não vos apiedais/Peco, peco e peço/Eternamente pedirei:/Julgai! [...]”.
Trata-se de um livro para os fortes: “De tanto olhar para o próprio umbigo/O Mundo foi ficando corcunda./Há muita gente entusiasmada/Há quem pense que seja um castigo/O grande salto evolucional [...]”. Ou então: “Quem vai quebrar o silêncio/Quando nosso peito calado pela distância/Sentir que há tempos já não tem voz?/ Qual de nós dará o primeiro passo/Em uma corrida rumo ao abraço/Com braços atados por tantos nós? [...] Quem vai quebrar o silêncio/Quando nossa voz tingir-se de rouca?”.
“É preciso que os homens se compadeçam dos anjos”. Bruno sabe. Encantada, recomendo.
Ivy Menon - Poeta