gabe 06/03/2024
Uma virilidade forjada na dor da rejeição, que fez com que o homem mais cobiçado escondesse seu vazio em inúmeras relações. O belo e sedutor Fio Jasmim, apesar de estar no centro da narrativa, não será o narrador das aventuras que vivencia, e sim as mulheres que o conheceram. Jasmim é o fio condutor do enredo nos vários cenários e situações vividas junto às “suas” mulheres. Numa narrativa de perspectiva afro-gendrada, como esta, o homem é o centro, mas também o alvo.
Distante da figura do herói, o personagem representa as contradições do universo masculino, socializado desde a infância para aceitar pensamentos e ações sexistas. Com o pai e com outros mais velhos, aprende a ter orgulho de sua virilidade, tornando-se parte da engrenagem de dominação masculina naturalizada socialmente através da reprodução incessante de valores e comportamentos.
O trem que conduz é “de ferro” e, como tal, “come os trilhos” a modo de máquina implacável. Coincidência? Tal como o pai procriador e ausente, o jovem segue a cartilha da masculinidade tóxica que marca igualmente a identidade polígama de seus companheiros de trabalho. E tal como o trem, que em cada estação deixa e recebe pessoas e coisas antes de seguir viagem, o belo jovem também se faz “de ferro” nos corpos das mulheres que cruzam seu caminho.
E novos nomes surgem e desaparecem capítulo após capítulo – Neide, Angelina, Dalva, Aurora, Antonieta, Dolores... – restando apenas Juventina, a jovem amante, e Pérola, a esposa. O machismo estrutural contrasta com a multiplicidade feminina, aqui a mulher é uma história, tem seu lugar e escolhas. Umas se envolvem com Fio Jasmin por romantismo, outras por que querem. A polifonia de vozes femininas, fruto da experiência própria ou alheia, alerta sobre os riscos do sexo sem compromissos, do prazer seguido do abandono.
O fato é que, sem perder de vista a ternura, o poético e o erótico, marcas registradas de seus escritos, Conceição Evaristo denuncia e questiona o patriarcado, apresentando a questão como um problema que passa necessariamente pela cultura machista. Afinal, como ocorre com as mulheres, os homens não nascem homens, mas são feitos homens pelo arbítrio cultural transformado em natural. E Fio Jasmim mantém a “ordem do mundo”, preso ao estigma de ser macho, ao não revelar fraquezas, engolir o choro e renegar qualquer sentimento menos másculo, como a dor e a tristeza. Os benefícios do patriarcado têm um preço, e um dia ele terá que pagar.