Coruja 26/01/2016"Sejamos sinceros: em nossos arranjos, tão frios quanto fáceis, o que chamamos de felicidade não passa de mero prazer."Para abrir meu Desafio Corujesco desse ano, decidi ler As Relações Perigosas, clássico francês que causou furor à época em que foi publicado e que alguns críticos reputam ser parte da razão de ter eclodido a Revolução Francesa – o retrato de uma aristocracia indolente e perversa que se compraz em jogos de poder sem se importar sobre em quem estão pisando teria inflamado muitos descontentes com o regime.
O livro chegou a ser julgado e condenado em tribunal, com direito a queima em praça pública. Mesmo assim, foi um sucesso, com cópias compradas secretamente até por Maria Antonieta.
Ao terminar o livro, perguntei-me com meus botões porque há quem prefira ler coisas como 50 Tons de Cinza quando livros como esse existem para serem lidos.
A partida jogada entre a Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont é sórdida em todos os seus detalhes e ao sermos convidados a compartilhar de suas cartas, penetramos uma intimidade carregada de erotismo. Não há nada particularmente explícito, mas a intensidade do jogo e a forma como a rede vai se fechando em torno dos personagens nos deixa de garganta seca, nos abanando com abandono em nossas poltronas.
É surreal a forma como de Laclos consegue nos seduzir, enredar em sua trama. Primeiro porque ele deixa a entender que tudo aquilo é uma história real – e não neguemos que toda sociedade gosta de um bom escândalo. Segundo, porque nos tornamos de certa forma seus cúmplices ao ultrapassar o sigilo de uma correspondência privada – e os correspondentes de todas essas cartas acreditam que estão seguros, e é isso que lhes permite trocar tantas confidências com tanta candura.
É interessante refletir sobre isso nos dias de hoje, quando nossa privacidade vive constantemente em jogo nas comunicações eletrônicas. Fotos íntimas, e-mails, mensagens de texto... nada disso desaparece uma vez que coloquemos na rede. E, muitas vezes, o que acreditamos ser privado está a apenas alguns cliques de cair em público.
As Relações Perigosas não é um livro romântico e toda a história caminha claramente para uma tragédia desde o começo. É intensamente passional, mas, ao menos na superfície imediata, não é a paixão que move os protagonistas – especialmente os mestres de marionetes que orquestram toda a ação – mas o tédio e o gozo da caçada.
Este é um livro sobre sexo – um livro BEM ESCRITO sobre sexo, vamos deixar claro. Mas é também sobre como as pessoas influenciam e são influenciadas pelas aparências e como isso é julgado pela sociedade. Em outras palavras, embora já tenham se passado mais de 200 anos de sua publicação, é uma história que continua bastante atual.
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