thamiis 11/09/2021Ah, Zafón?Já não sei há quantos anos tinha O jogo do anjo e O prisioneiro do céu dentro do plástico acumulando pó na estante. Devo tê-los adquirido em alguma promoção e ali ficaram ao lado de A Sombra do Vento esperando serem lidos. Pois este dia chegou.
Em O Jogo do Anjo voltamos à Barcelona, desta vez nos primeiros anos do século XX, e acompanhamos o jovem David Martín em seus infortúnios ao mesmo tempo em que reencontramos a livraria dos Sempere e algumas outras personagens já conhecidas.
Martín narra sua existência desde a infância, o abandono da mãe e a morte precoce do pai, e como pode progressar graças ao auxílio de um benfeitor, Pedro Vidal. Tudo muda, porém, ao receber uma proposta indecorosa de um completo e excêntrico estranho. Quando menos espera, se vê envolvido em uma trama repleta de mistério, medo e mortes, onde separar o real do imaginário se mostra cada vez mais difícil.
Zafón era mesmo um gênio da narrativa. Esse livro contém enorme sabedoria em seus diálogos a respeito do cotidiano e ensina, como só a vida pode, grandes lições sobre o ser humano, a dinâmica do trabalho, aspirações, credo, ego e relações interpessoais.
Confesso que, apesar de haver uma mescla de estilos literários bastante ampla, a narrativa predominantemente detetivesca já não me atrai há muitos anos porque minha ansiedade em descobrir logo os mistérios me perturba e não me permite descansar sem terminar a leitura, porém o que me tocou, mais além da estória em si, foram justamente os detalhes dotados da mais fina inteligência e simplicidade contidos na obra. Roteiristas estão, sem dúvidas, entre as pessoas que considero mais inteligentes e que mais admiro.
Outro ponto alto da narrativa foi poder reconhecer ruas e pontos de uma Barcelona que já não é apenas imaginária para mim. Quando li A Sombra do Vento pela primeira vez, com 17 anos, sequer imaginava que um dia percorreria as ruelas do Barrio Gótico ou que veria a para sempre inacabada Basílica da Sagrada Familia. Como uma viajante tardia das que foi viajar quando já havia perdido as esperanças de poder fazê-lo, ainda acho curioso ler sobre locais onde estive, algo que talvez soe banal a quem viaja com a mesma frequência em que toma banho. Já faz dois anos que me hospedei por um final de semana em um apartamento próximo da Plaza De Tetuan, mas conservo as memórias bastante frescas dessa cidade, pois foi uma das que ganhou parte do meu coração.
O Jogo do Anjo me transportou de volta àquela Barcelona que conheci pintada com o véu dos tempos, onde 100 anos parecem não ter se passado, uma vez que a história se mantém conservada em suas pedras e fundação. Zafón apara as arestas e aproveita muito bem o cenário que havia criado previamente, apesar da falha na cronologia que me desconcertou logo no começo (e cuja existência foi levemente apaziguada no final, ainda que não esquecida). Espero que não se repita nos próximos.
Bela obra, creio que gostei mais pelo que se pode retirar das entrelinhas que pela história em si, cujas reviravoltas nem sempre me agradaram e cuja mescla de estilo não é das minhas preferidas. Mesmo assim, perguntas abertas me deixaram curiosíssima para ler os outros dois livros da tetralogia. Recomendo a leitura!