Coruja 15/06/2011Anjos, nefilins e o livro de Enoch...A idéia de Sussurro seria bem engenhosa e eu até teria aplaudido todo o lance bíblico épico... se nunca tivesse lido O Livro de Enoch. Como por um acaso do destino eu li, a história de Patch não me convenceu.
Sério mesmo, eu li esse livro por puro acaso. Eu até tenho ele aqui em casa. Por incrível que pareça, comprei o bendito por engano, achando que era uma romance sobre... anjos. Como à época eu estava lendo O Paraíso Perdido e mestrando uma campanha de RPG envolvendo hostes angelicais, achei que valia à pena dar uma olhada, até porque o livro estava em promoção. Qual não foi minha surpresa quando descobri que em vez de um romance eu tinha em mãos um manuscrito apócrifo?
Basicamente, Enoch que é um dos patriarcas descendente de Adão, bisavô de Noé escreveu sobre a Segunda Queda. A Primeira, claro, foi quando Lúcifer se rebelou e as hostes angelicais se dividiram e foram à guerra, culminando com a derrota dos rebeldes e seu lançamento direto no Inferno num lago feito de seu próprio sangue.
Sério, minha gente, se vocês querem anjos caídos, porque não vão ler O Paraíso Perdido?
A Segunda Queda teria sido a dos anjos chamados Vigilantes, liderados por Samyaza: os vigilantes têm os olhos cheios de adultério, e são insaciáveis no pecado; engodam as almas inconstantes; têm o coração exercitado na ganância, são filhos da maldição!. Por essa breve descrição, acho que é meio óbvio porque esses anjos caíram eles cobiçaram as filhas de Eva, deixando os céus para se tornarem líderes entre os humanos, tomando consortes entre suas mulheres.
Conta Enoch que os vigilantes tiveram filhos com as humanas e a esses filhos chamamos gigantes ou nefilim. Eu desconfio que Golias, da história de Davi e Golias, era um nefilim sobrevivente, ou pelo menos um descendente dessa raça.
Ei, tia Becca, que tal antes de escrever, pesquisar um pouco os dados históricos? Se seu Patch é um anjo caído, ele é um dos Vigilantes, não um Nefilim, ok?
Fora que, tecnicamente... não deveria haver anjos caídos dessa safra andando por aí. De acordo com Enoch, os Vigilantes teriam ensinado aos homens as artes da guerra, corrompendo de tal forma a humanidade que os arcanjos resolveram interceder junto ao Ancião dos Dias (adoro esse epíteto). Dessa forma, Gabriel teria destruído os nefilim, fazendo-os guerrear entre si; Miguel aprisionou os Vigilantes num dos círculos mais baixos do Inferno, de onde eles só sairiam no dia do Juízo Final e Deus mandou o dilúvio.
Último comentário? Cara, Patch não me convenceu como anjo caído bad boy. Tem alguma coisa faltando nele... não sei... talvez uma boa dose de indignação angélica? Algo que o mostre como uma criatura sobrenatural deslocada de seu hábitat natural?
Quem vai saber?
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Apenas três considerações que me passaram lendo os comentários:
(1) o objetivo de uma resenha é dar a opinião pessoal do leitor. Nada no mundo é unanimidade, para tudo o que encontrarmos pela vida, vamos ter pessoas com opiniões diferentes sobre o assunto. Podemos não concordar com o que o outro diz, e argumentar nosso ponto, desde que saibamos respeitar aquilo que os outros acreditam. Eu não tinha expectativas irrealísticas para o livro - foi um bom divertimento, e, como tal, serviu ao seu propósito. Eu não esperava um libelo cristão e sim uma história rápida, de ação, que aproveitasse a deixa dada pela mitologia. Em alguns pontos, o livro acertou em cheio, em outros, deixou a desejar.
(2) por uma enorme coincidência diante da pergunta que foi feita... na verdade, eu cheguei a escrever uma história envolvendo anjos caídos, vigilantes e nefilins, inspirada na dita campanha de RPG da qual falei antes - esse é o motivo pelo qual sei alguma coisa sobre o assunto: eu pesquisei para poder escrever. Claro que, da mesma forma que a autora, eu usei muita "licença poética", mas alguns detalhes eu não mudei, porque, bem, eles dão veracidade a um texto, completam a "magia": uma vez que você conhece aquela história, mitologia, arquétipo fundamental, quando você a enxerga em outra história, você (ou, pelo menos, eu faço isso) sorri de lado, como se estivesse a par de um segredo junto com o autor. Como fica evidenciado pela própria resenha, eu sou um tanto crítica demais e por isso mesmo, nunca considerei a mencionada história que escrevi como mais que um treino, uma forma de desenvolver a forma como escrevo. Cheguei a publicá-la no meu blog como curiosidade e acredito que toda crítica - construtiva - feita naquele texto foi bem-vinda.
(3) "O Livro de Enoch" não se trata de OUTRO livro sobre anjos, mas é o mito ORIGINAL dos vigilantes e nefilins. Ele é um livro bíblico não aprovado pela Igreja e é nele que primeiro se fala na "2ª Rebelião" - não existe menção a isso em nenhuma outra mitologia, oriental ou ocidental.
Agora, vejam... se eu criar um personagem que tem forma humana, bebe sangue humano e não sai no sol, e chamá-lo de lobisomem, o que vão me dizer? "Criatura, tu pirasse na batatinha!". Qual a diferença disso para 'Sussurro'? Apenas uma: o mito dos Vigilantes e Nefilins é menos conhecido que o dos vampiros. Não é simplesmente uma questão de interpretação da história, mas de erro mesmo.
Talvez seja mesmo um defeito meu ler de forma por demais crítica e assumir coisas que não estão impressas num texto, mas acho que o conhecimento, no mínimo, vale a curiosidade.