Craotchky 16/08/2018AbracadabraO Malleus Maleficarum é um importante documento para compreender um pouco a perseguição às "bruxas" praticada pela Igreja Católica entre os séculos XV e XVIII. O livro foi escrito por Henry Kramer e James Sprenger, professores de Teologia da Ordem dos Monges Dominicanos, e inquisidores delegados por Cartas Apostólicas. O Malleus foi escrito em cumprimento à bula papal (segundo o Wikipédia: é um alvará passado pelo Papa ou Pontífice católico, com força de lei eclesiástica) de Inocêncio VIII que autorizava seus autores a criar o manual. (Esta bula está inclusa no livro.)
Do prefácio:
"O livro é diabólico na sua concepção e redação. Dividido em três partes, a primeira cuida de enaltecer o Demônio com poderes divinos extremos e ligar suas ações com a bruxaria. [...] Na segunda parte, ensina-se a reconhecer e neutralizar a bruxaria nas vivências do dia-a-dia da população.[...] Na terceira parte, descrevem-se o julgamento e as sentenças. [...] Em realidade, as duas primeiras partes são escolasticamente racionalizadas para justificar toda sorte de aberrações e crueldades mandadas executar na terceira parte..."
(O Malleus é atribuído a dois autores, entretanto hoje em dia é consenso que a participação de Sprenger na escrita do livro é mínima. Por esse motivo vou assumir, doravante, somente um autor, Henry Kramer.)
O Martelo das feiticeiras não é apenas historicamente relevante no âmbito religioso como também, e talvez mais ainda, nas questões femininas. A mulher é, pois, o ponto central sobre o qual o livro é construído. Inclusive, na contra-capa desta minha edição está escrito:
"O mais importante livro jamais escrito sobre o feminino". Exageros à parte, além do prefácio, o livro ainda conta com uma Introdução histórica de Rose Marie Muraro que busca situar e contextualizar o conteúdo feminino presente na obra.
Pode não parecer mas o livro é extremamente minucioso na suas exposições e por isso é tão longo. Por mais que algumas coisas sejam absurdas, procurei não tecer juízo de valor por que julgar hoje as formas de pensar em voga em 1486, seria injusto pois significaria retirar o objeto julgado, neste caso, do seu contexto histórico-social-religioso. Isso seria anacronismo.
Cumpre observar que o Malleus descreve toda sorte de fenômenos sobrenaturais. Abaixo algumas das centenas passagens do livro, ora absurdas no sentido lógico-científico, ora um tanto curiosas e/ou bizarras, que evidenciam isso:
"Sobre o doente seguram chumbo derretido e a seguir o derramam numa tigela com água. Se o chumbo se condensar formando alguma imagem, a enfermidade é atribuída à bruxaria."
"[...] as bruxas não ficam ricas porque os demônios gostam de mostrar o seu desprezo pelo Criador comprando as bruxas pelo mais baixo preço possível."
"Está provado pela experiência que, quando uma prostituta planta uma oliveira, esta não dá frutos, embora dê frutos quando plantada por mulher virgem."
"Em conclusão. Toda bruxaria tem origem na cobiça carnal, insaciável nas mulheres. [...] Pelo que, para saciarem a sua lascívia, copulam até mesmo com demônios."
"Ora, uma prática comum a todas as bruxas é a cópula carnal com os demônios;"
"Cabe declarar que o íncubo também observa certos dias quando quer causar maior prazer venéreo às bruxas. E os dias em que estas se mostram mais propensas ao prazer são os mais sagrados do ano: o Natal, a Páscoa, o dia de Pentecostes e outros Dias Santos."
"As bruxas têm sido vistas muitas vezes deitadas de costas, nos campos e nos bosques, nuas até o umbigo; e, pela disposição de seus órgãos próprios ao ato venéreo e ao orgasmo, e também pela agitação das pernas e das coxas, é óbvio que estão a copular com um Íncubo."
Além disso tudo, as bruxas arrancam o membro viril dos homens ou causam impotência reprodutora nestes, provocam abortos, devoram bebês como canibais ou oferece-os como oferenda ao diabo, provocam tempestades comuns e de granizo, fulminam homens com raios, são capazes de voar...
E como os Inquisidores sabem de tudo isso? Segundo eles através principalmente de relatos de
"testemunhas dignas de todo crédito" e/ou confissão das próprias bruxas.
Ademais, ao longo do texto, frequentemente o autor cita outros autores, sobretudo religiosos, quando não a própria bíblia, com o intuito de embasar as insanidades que está dizendo, como se tais autores citados fossem incontestáveis. Nomes como S. Agostinho, S. Tomás, S. Gregório, S. Anselmo, S. Paulo e até mesmo Aristóteles, além de outros.
Vou parar por aqui pois esta resenha já está enorme. Porém afirmo que poderia ser muito maior pois elementos não faltam. Fique com mais um interessante trecho do livro:
"Não é de nosso conhecimento que alguma pessoa inocente já tenha sido punida por mera suspeita de bruxaria: Deus nunca há de permitir que isso aconteça."