jota 12/09/2021MUITO BOM: complicado em certos trechos, mas no geral é bem interessante ao tratar de olfato, perfumaria, ciência, inveja, negócios...Lido entre 07 e 11/09/2021
Quando adquiri esse volume (que permaneceu lacrado um bom tempo), O Imperador do Olfato: Uma história de perfume e obsessão, pensei estar levando comigo uma intrigante narrativa sobre perfumaria, envolvendo algum tipo de mistério, algo assim. Tanto que na hora lembrei-me de O Perfume, de Patrick Suskind, livro que há mais de uma década apreciei bastante, excelente ficção. Mas o livro de Chandler Burr não é uma história romanceada, é jornalismo, na verdade uma longa reportagem com algumas denúncias. Ele relata as experiências (boa parte delas frustrada) do culto e extravagante biofísico do University College de Londres, Luca Turin. Nascido no Líbano em 1953 em uma família ítalo-argentina, ele é o imperador do título. O cientista que tentou emplacar uma nova teoria do olfato durante os anos 1990, estudo que poderia resultar num prêmio Nobel caso fosse aprovado pela comunidade científica.
Os outros sentidos humanos, visão, audição, paladar e tato, já foram amplamente estudados por especialistas, mas o funcionamento do olfato continuava (ou continua) um tanto desconhecido, daí a oportunidade de Turin estudá-lo em sua nova teoria. Ficamos sabendo que ele é obcecado por perfumes, consegue identificar diferentes aromas em fração de segundos e também escreveu o mais influente guia de perfumes já publicado: Perfumes, the A-Z guide (1992). Enquanto vamos conhecendo as ideias do cientista e seu passado, Burr vai nos apresentando o que Turin pensava acerca de vários perfumes masculinos e femininos bastante conhecidos e suas composições (então lemos sobre inúmeras substâncias naturais ou sintéticas de que nunca ouvimos falar, eu não). Perfumistas aceitavam (ou aceitam) a tradicional teoria do funcionamento do olfato divulgada por conceituados cientistas, que afirmava que os aromas são determinados pela forma das moléculas, enquanto que a teoria do biofísico é vibracional, como algo assim a ver com música.
Para Turin existe “uma máquina incrivelmente sofisticada, [com] milhares de espectroscópios diminutos de carne embutidos no muco do nariz, disparando elétrons para as moléculas olfativas”. Suas experiências em laboratório, a pesquisa em si mesma que o levou a afirmar isso, foi um longo e árduo trabalho que, além de esforço e dedicação, lhe exigiu também muitos conhecimentos de biologia, química e física. Conhecia biofísica, claro, mas teve de aprender coisas que ignorava de outros ramos do conhecimento e também solicitar ajuda a vários cientistas para levar sua teoria em frente. Quando a pesquisa estivesse completamente finalizada esperava apresentar suas conclusões num artigo a ser publicado na respeitável revista britânica Nature. Essa foi outra etapa trabalhosa, árdua: explicar (provar) para os demais cientistas como as coisas funcionavam na sua teoria. Ah, como isso foi difícil, cansativo, praticamente impossível: o leitor se cansa junto com o jornalista e o biofísico, verdade!
Desde que começou a redigir seu artigo Turin teve de enfrentar muita resistência de seus pares, alguns que nem se deram ao trabalho de lê-lo depois de pronto, porque eram adeptos ferrenhos da teoria tradicional da forma das moléculas. Burr mostra bem como a comunidade científica, particularmente membros de uma mesma área de estudo, pode se unir contra alguém que propõe uma nova teoria sobre um conhecimento que se julgava cristalizado. Sobre isso, escreveu na Nota do Autor: “Comecei este livro como a simples história da criação de uma teoria científica. Mas continuei a escrevê-lo com a impressão cada vez mais aguda de que era de fato uma história maior e mais complexa de corrupção científica, corrupção no sentido mais mundano, sistêmico, virulento e tristemente humano de inveja, de mentes calcificadas e interesses envolvidos. A impressão de que era um conto de moralidade científica.” Forte isso, não? E Burr ainda mostra como as bilionárias corporações produtoras de perfumes costumam agir quando surge uma novidade que pode mexer com seus negócios. Mas mesmo que muita coisa não estivesse dando certo, Turin seguiu em frente... Casou-se e teve filhos.
Há trechos de O Imperador do Olfato que podem dificultar o entendimento de um leigo, mesmo prestando muita atenção no que o jornalista Burr e o cientista Turin estão a tratar. Mas não é assim o tempo todo, claro, senão eu mesmo teria desistido de ir até o fim logo nas páginas iniciais. Para compensar, há também uma boa dose de pensamentos, ditos espirituosos, casos e curiosidades que amenizam um tanto o lado acadêmico do volume e o tornam bastante atraente mesmo para leitores comuns. Veja isso: “Para um perfumista, não existe cheiro ruim. Todos os grandes perfumes franceses, sem exceção, têm algum ingrediente que é repulsivo, como o almíscar do gato-de-algália [também conhecido como gato-almiscarado], um extrato medonho, de uma intensidade selvagem, tirado do ânus de um gato chinês.” Pois é...
Para finalizar: o jornalista Álvaro Pereira Júnior (que de vez em quando faz boas reportagens para o programa Fantástico, da Globo) resenhou o livro para a Folha de São Paulo na época do lançamento brasileiro (2006) e escreveu: "O Imperador do Olfato é, provavelmente, o melhor texto de divulgação científica que já li – e olha que leio muito nessa área.” Fica então essa recomendação de leitura. Mas não espere encontrar tanta facilidade por aqui, a não ser que você se dê bem com química, física, biologia etc. Não é o meu caso...