Emanuel.Müller 05/02/2023
É diferente do filme, mas tem as suas preciosidades.
Se você, leitor ou leitora desta resenha, espera porventura fazer uma correlação do livro com o filme, acredito que não seja uma boa ideia. Por quê? Porque aqui o que há de comum entre ambos é o fato do protagonista se chamar Benjamin Button e os mesmos nascerem velhos e morrerem bebês. De resto, trata-se de estórias COMPLETAMENTE diferentes. Entendo que alguns resenhistas fazem esta comparação, o que não há problema em si, apesar de eu ter algumas discordâncias. Que discordâncias? Explico.
Por se tratar de obras completamente diferentes, apesar do título e do núcleo da estória serem em comum, realizar uma comparação entre ambas seria como julgar qual estória seja melhor ou pior. Claro, que em aspectos estéticos e artísticos, o filme desenvolveu ainda mais o enredo do que o conto que é em si curto. Isto por um lado justifica o porquê de alguns resenhistas realizarem tal comparação. Porém, aqui expresso a minha discordância da qual o leitor possa tanto discordar quanto concordar: o filme propõe a estória de outro Benjamin Button, isto é, não se trata da estória do mesmo homem. Se o filme apresentasse uma segunda versão da estória dele, justificaria-se ainda mais a comparação, mas aqui não se trata de versões e narrativas, são estórias completamente diferente. Colocar em xeque uma comparação como se fossem versões distintas da vida do meu homem, seria como operar uma comparação entre o conto “Uma anedota infame” de Dostoievski e “A Morte de Ivan Ilitch” de Tolstói por se tratarem do protagonista que tem o mesmo nome: Ivan Ilitch.
Como sobredito, não há problema de se realizar comparações, principalmente de cunho estético e artístico, mas eu tenho a discordância para a realização destas, por causa do propósito que os autores do filme e do livro tiveram para com as suas obras. O escritor norte-americano quis escrever um curto conto, enquanto os autores do filme não se contentaram em fazer uma nova versão da obra, mas a construíram de uma forma inovadora. Por esta razão, eu não gosto menos do livro do que o filme. Gosto de ambos sem hierarquia de valor. Porque sei que se trata de estórias diferentes e o propósitos destas são muito distintos. Tragamos em questão: seria justo fazer um julgamento estético comparando o flamenco do tango, tratando-se de gêneros musicais e de dança distintos? A mesma pergunta pode vir aqui para ambos, sendo de um lado: um clássico da literatura norte-americana e de outro: um ótimo filme de Hollywood.
Dito isso, agora darei as minhas demais impressões. A escrita do autor é bem acessível e a sua estória provoca reflexões, principalmente quando nos colocamos no ponto de vista dos personagens. Ao colocar-se no ponto de vista do pai, Roger Button, imagine-se como seria se visse que seu filme nasceu velho, e mais ainda, com tamanho de velho e soubesse milagrosamente falar? Que reação teria? Pode parecer um tanto fantasioso isso, mas ao trazer para a realidade, a pergunta se transforma na seguinte: se você, leitor ou leitora, soubesse que seu filho portasse alguma deficiência, como seria a sua reação? De revolta ou de, apesar das adversidades, amor? Se é de amor, a sua reação é a mesma de Deus Pai, que acolhe com o amor o seu Filho, Jesus Cristo, mesmo chagado como Servo Sofredor, e mais ainda, Deus Pai nos acolhe vendo o seu Filho em nós, tratando-nos como o Pai do Filho Pródigo tratou o jovem arrependido. Mas agora se a reação for de revolta, saiba que esta foi a reação de Roger Button. E revolta com o filho nascer velho, em última instância, é revolta contra Deus. Pois se os filhos são um dom de Deus, um PRESENTE, uma bênção o fruto das entranhas (cf. Sl 126 (127), 3), revoltar com o fato de que o filho é um deficiente ou um excepcional é desprezar o presente dado por Deus com tanto amor e carinho. As palavras de Jesus podem auxiliar em uma reflexão ainda mais profunda sobre o caso, principalmente aos que têm fé: “Quem vos recebe, a mim mesmo recebe; e quem recebe a minha pessoa, recebe aquele que me enviou” (Mt 10, 40).
Então, a realidade do preconceito e da discriminação podem ser refletidas nesta obra em vários momentos e se formos verdadeiramente honestos, veremos que provavelmente, seríamos, concretamente e infelizmente, da ótica dos discriminadores.
Quando a ótica vai para Benjamin Button, muito se pode discutir. Manuel da Costa Pinto, ao escrever no final do livro sobre as Coleções dos Clássicos da Folha, considera o protagonista da obra como um anti-herói. Honestamente, eu tenho uma urticária com esta palavra, pois ao meu ver, o único herói sem defeito é Jesus, de resto, todos os heróis têm pecados, assim como os vilões possam ter suas virtudes, mesmo que sejam poucas. E nesta obra, seria problemático considerar aspectos de heroísmo, anti-heroísmo e até vilania para o personagem, pois em muitos aspectos, ele se assemelha indiretamente ao Cristo na face do Servo Sofredor, e em outros aspectos se aproxima muito da face pecadora da humanidade, que despreza os outros, muitas vezes, pela arrogância. Taxar o personagem com imagens diretas seria comprometer a sua verdadeira imagem. Button não é Cristo, embora às vezes possa trazer aspectos deste, quando olhamos na ótica da fé. Mas o mesmo, apesar de seus pecados, nos mostram que talvez, na pele dele, desgraçadamente poderíamos agir da mesma forma ou de maneira parecida. Pois Benjamin ao ir para guerra, enquanto deveria que cuidar do filho com a mulher (deveria ter estado mais presente como pai, nos anos que esteve em guerra, porque quis), na verdade, estava, em uma última instância, fugindo da realidade. E muitas vezes, nós temos esta tentação de fugir do mundo real, o problema é que ao fugir não solucionamos os problemas, agravamo-los e ainda por cima não amadurecemos.
E aqui vemos que podemos enxergar com a ótica da mulher de Benjamin, Hildegarde, que envelhecia, enquanto seu marido rejuvenescia. O que ela deve ter passado? Se olharmos para ótica do filho, apesar de seus defeitos e pecados, como seria em ver seu pai ficando cada vez mais adolescente e criança, enquanto ele se tornava mais velho e constituía uma família?
Ao enxergar com todas estas óticas, levando em conta de que o livro apresenta uma estória diferente do filme, e não uma simples versão resumida, percebemos quanta riqueza Scott Fitzgerald traz em sua obra. E mais terrível é perceber que a vergonha que Benjamim sentiu do pai, haveria de sentir do filho. Mas por quê? Recomendo que leiam o livro para saber.
É uma obra fascinante e curta, que pode ser muito bem aproveitada e da mesma forma, pode muito bem conduzir a uma série de reflexões, que não somente possam contribuir para o imaginário, mas também pode auxiliar para a vida, quando lemos de maneira bem meditada.
Recomendo a todos a leitora deste clássico norte-americano, assim como do filme.