Tiago600 29/10/2021
Réquiem para uma Distorção
Três fatores me levaram ao livro. 1. A adaptação cinematográfica de David Fincher. 2. É uma obra gestada por Fitzgerald, portanto merece no mínimo atenção. 3. Ultimamente quebrei um preconceito literário que tinha para com obras do gênero fictício ou mesmo de fábula.
O livro em si é breve, onde tudo é jogado, lançado sem profundas digressões. Sua força reside no mecanismo como um todo, visto que tem o formato de um conto e contos geralmente podem soar como parábolas, por exemplo - Gregor Samsa certa noite acordou de sonhos intranquilos e se viu metamorfoseado em uma barata. Benjamin Button por sua vez está perpetuamente condenado ao regresso dos anos, visto que nasceu velho e vai rejuvenescendo.
Me permito um breve devaneio. Particularmente tem sido um ano miserável para mim. Perdi um tio, ele tinha 51 anos, era saudável e foi levado pelo vírus. Um dia estava sorrindo, de repente não mais. Minha mãe por conseguinte adoeceu, as marcas são perceptíveis até o momento. Somado isso, pressão da faculdade, incertezas sobre o futuro e tantas outras questões de praxe. Tudo isso somado junto de outros fatores, me fecharam em muitos pontos e a leitura tem sido uma válvula de escape, possivelmente uma fuga. Sempre usei essa rede social apenas como diário de registro, esse ano tenho escrito resenhas ao léu por aqui. Estranha necessidade de por para fora do sangue algo que desconheço por inteiro. Me recordo que ao lado onde meu tio foi sepultado, havia uma crípita onde um homem de seus 90 e tantos anos havia perecido fazia 5 dias. Me coloquei a pensar que esse homem (por mim desconhecido) presenciou a Segunda Guerra e tantas outras mazelas e desvaneceu justamente de uma doença tão atípica. Enfim, para ele também, não mais.
Outro dia vi uma entrevista de Sebald ressaltando o ensaio "A Morte da Mariposa" de Virgínia Woolf e refletindo omo ela conseguiu capturar um breve instante de forma brilhante, fui atrás e li. É realmente assustador que em poucas páginas Virgínia se coloque a pensar sobre a morte de um inseto, fazendo paralelo com a morte de soldados. É incrível perceber como um ser tão ínfimo quanto uma mariposa em seus últimos instantes, com todas suas forças luta para sobreviver, dizendo "não" para a morte nítida. O inseto simplesmente não quer se entregar ao inevitável e existe tanta beleza nisso, nesse minúsculo momento que geralmente nos passa desapercebido e cotidianamente nos escapa…
Enfim. Chega! Já fui longe demais nesse devaneio. Voltando.
"O Curioso Caso de Benjamin Button" não se propõe inventar a roda, não é quimericamente mirabolante enquanto livro, porém é sensível, portanto vale ser lido. Funciona enquanto proposta. Sua alegoria mais forte é o alerta do tempo. Essa bestial força que devora gerações. No fim, todos estamos sempre lutando com o tempo, os segundos, os minutos, as horas. Terminei essa resenha, olhei para o relógio e o ponteiro marcava meia-noite e meia. Que espanto. MEIA - NOITE e MEIA! Como passaram os anos.