spoiler visualizarIsa Beneti 04/11/2023
Romance cômico de formação às avessas
Afff odeio quando eu ADORO uma história muito norte americana ?? me sinto uma cadelinha de estadunidense. Mas, tudo bem, pelo menos os livros do Fitzgerald são uma grande crítica aos Estados Unidos, além do fato de que eles sempre ultrapassam o contexto dos EUA.
No (curioso) caso de Benjamin Button, por exemplo, os grandes assuntos tratados são: a fluidez do tempo, a juventude, a pressão das aparências, o individualismo, a impermanência do amor, entre outros temas que são totalmente universais! Apesar disso, o conto está completamente inserido no contexto estadunidense de final do século XIX (começa em 1860, um ano antes da Guerra de Secessão) até a era do Jazz (1925), sendo impossível desconectar os acontecimentos da narrativa da conjuntura histórica.
Afinal, o contexto é sempre bem definido desde o nascimento do bebê-velho, apelidado de Matusalém pelo pai (ri muito). A própria Guerra de Secessão foi ironicamente descrita simplesmente como um "desvio na atenção" da população de Baltimore, na província sulista e escravocata de Maryland, que havia ficado chocada com o nascimento de Benjamin. O nascimento do protagonista causou grande incômodo da família de empresários Button, sempre muito preocupada com aparências, que tentou esconder a situação do filho a todo custo, tratando-o como uma criança, apesar do menino-velho preferir ficar na companhia do avô fumando charutos ao invés de brincar com outros meninos kkkkkk.
Aos 20 anos, com aparência de 50, Benjamin conquista Hildegarde, uma linda mulher que queria se casar com um homem mais velho e maduro (mal sabia ela, coitada). Essa paixão resultou num filho (Roscoe), no entanto, com o ameninamento de Benjamin e o envelhecimento de Hildegarde, o protagonista vai perdendo o encanto pela mulher.
Já com 50 anos, com corpo de 20, Benjamin vai aproveitar tudo o que não pôde na juventude: entra no exército, luta na guerra hispano-apericana (EUA vs. Espanha após independência de Cuba); sai com seu filho para festas, onde as pessoas acham que ele é seu irmão; entra em Harvard e vira atleta... Nesse momento do livro dá pra perceber bem a inspiração que Fitzgerald teve em Mark Twain, que dizia ser uma pena que a melhor parte da vida viesse no começo, e a pior no final (a juventude é desperdiçada pelos jovens ?).
Quando se forma em Harvard, Benjamin já (?) tem aparência de um jovem de 16 anos. A partir de então, passa a morar com o filho, que obriga-o a chamá-lo de "tio", ao invés de filho. Depois de uns anos, passa a brincar com o próprio neto, vai perdendo todas as memórias e capacidades intelectuais. Por fim, morre nos braços da ama, tomando leite.
Uma das coisas mais interessantes desse livro é não somente como ele discute sobre a passagem do tempo, mas justamente como o tempo passa na narrativa. Os anos vão se passando sem aviso nenhum, de um parágrafo para o outro, de uma linha para a outra. Apenas pontualmente o narrador (3ª pessoa) "avisa" em que ano a história está, ou, pelo menos, quantos anos o protagonista tem. Isso dá uma sensação de fluidez na narrativa, de forma que o leitor nem percebe o tempo passando... o que é muito verossímil!
Além disso, as discussões que o livro traz sobre a cultura estadunidense são muito fortes. Principalmente no que tange à preocupação com o olhar externo, como podemos perceber com o pai e o com filho do protagonista. Ambos têm muita vergonha de Benjamin: a pressão das aparências ultrapassa gerações! Benjamin é constantemente cobrado por sua aparência, como se fosse algo que ele pudesse mudar, ou tivesse controle sobre. Isso serve como crítica ao o ideal americano da "meritocracia", que te coloca como responsável pelo lugar em que você está.
No geral, fiquei impressionada com como o texto é fluido, engraçado e aborda discussões importantes e universais, ao mesmo tempo que traz questões bem específicas da história dos Estados Unidos.