AleixoItalo 27/10/2024Uma vez que a filosofia é a arte de debater os pensamentos vigentes e propor novas formas de pensar, o objetivo final de todo filósofo é a publicação de alguma obra que ofereça novas interpretações à cerca da realidade. Embora os filósofos se especializem em campos específicos é plausível que o desenvolvimento dessa linha de raciocínio, resulte em sistemas de pensamento completos e bastante estruturados.
Durante a Revolução Científica eram mais comuns a publicação dessas obras completas, normalmente divididas em módulos que tratassem das ciências naturais, política, ética e da religião — aos poucos essas divisões foram ficando mais acentuadas. Uma das mais notáveis dessas obras, foi Leviatã de Thomas Hobbes, lançada no século XVII e até hoje uma influente obra política. O Leviatã de Hobbes é dividido em três seções, onde ele discute a natureza do homem e do conhecimento, do estado e da cristandade.
Ao contrário dos empiristas da época, Hobbes propõe um tipo de mecanicismo que acredita que toda a realidade é composta por matéria em movimento. São os movimentos de corpos externos, que agem diretamente sobre nossos órgãos dos sentidos, ressoando por dentro do corpo até chegar ao cérebro. Os pensamentos e as ideias, por sua vez, seriam apenas a vibração desses movimentos, que perduram e vão se esmaecendo com o tempo, somados aos movimentos causados internamente em nossos órgãos. A linguagem tem papel fundamental nesse esquema, pois é através dela que podemos expressar e registrar os pensamentos, além de, uma vez determinados causas e efeitos corretamente, podemos utilizá-la para expressá-los e realizar operações — como na matemática — que resultem em previsões. É essa arte de determinar corretamente o significado das palavras e fazer contas, que Hobbes chama de ciência.
O mecanicismo de Hobbes, bastante limitado, é ultrapassado, porém é na sua filosofia política que a obra perdura. O filósofo postula que a priori, todos têm direito à tudo, com intuito de garantir a própria sobrevivência. Porém, para conviverem em sociedade, as pessoas abrem mãos de certos direitos, cedendo-os a outros e é nessa troca de direitos que a civilização está sedimentada. A questão é que os indivíduos, pensando no bem próprio, podem a qualquer momento violar tais contratos firmados, e aí se faz necessária a existência de um poder regulador desses contratos. Entra em cena o Estado, ou o Leviatã.
O nome é uma alusão ao Leviatã bíblico, onde Hobbes sugere que o Estado seja uma entidade poderosa e inquestionável, cujo todos estariam a mercê. O simbolismo também é essencial para transpor a teoria, humana, para uma esfera simbólica e religiosa. Escrita durante a Guerra Civil Inglesa, Hobbes usa o contexto da época para defender a necessidade de um governo soberano absoluto. Ao longo do livro Hobbes irá desenvolver quais são as atribuições do monarca, em que as leis devem se basear e nos perigos da divisão de poderes. Embora o direcionamento de Hobbes seja em prol de uma Monarquia Absoluta — vale ressaltar mais uma vez o contexto em que vivia — os fundamentos de seu pensamento são pertinentes até hoje. Na prática, a ideia máxima de Hobbes é que na ausência do Estado, ou de algum poder regulador dos contratos sociais, os homens viveriam num eterno estado de guerra de todos contra todos. O Estado existe como uma necessidade e uma ânsia da humanidade por um estado de paz.
A parte final é uma tentativa de legitimar a palavra de Deus ou a existência de um Estado Cristão, por meio de textos das sagradas escrituras, conciliando-os com o pensamento mecanicista do autor, um tipo estranho de teologia política. O leitor que não se interessar por essa parte pode pulá-la sem nenhum problema, pois não terá mais nada à acrescentar sobre seu sistema de leis naturais e políticas.
Não é uma obra tão difícil de ler quanto algumas resenhas sugerem a princípio, fazem parecer, é mais uma questão de interesse em lê-la ou não. Uma vez eu li que filosofia é um esquema de pirâmide, onde você sempre precisa ler um autor para entender outro, afinal ela é a debate de ideias, influenciadas por ideias que estavam debatendo ideias. Alguns pensadores inevitavelmente cairão no esquecimento enquanto outros levantarão discussões vitais sempre a serem debatidas. O mecanicismo de Hobbes por exemplo, foi facilmente superado pelo empirismo, que relega o conhecimento à experiência — e não aos elementos da realidade — que deu origem a diversas formas de pensar atuais. Por outro lado, seu pensamento político, sobre a necessidade do Estado, levantou uma problemática fundamental a respeito da qualidade social de nossa espécie e portanto é base de discussão até os dias de hoje.