Douglas.Braga 12/07/2019
Retrato sem fim de um Brasil cruel
Algumas coisas me incomodam no livro, como a falta de destreza para criar situações de ficção, como diálogos, ações, relações, que foram naturalmente criadas por Caco Barcellos para aumentar o envolvimento com a história, mas de conhecimento geral que era impossível que ele soubesse tudo aquilo e com a riqueza de detalhes. Há uma fragilidade e uma utilização de clichês na hora de criar as falas dos personagens reais, mas nada disso tira a beleza do livro, que é, mais do que algumas inserções de ficção, um tremendo retrato da realidade da violência policial no Brasil. É um livro-reportagem que compreende um profundo estudo do comportamento de violência institucionalizada contra a população negra e pobre das periferias de São Paulo, mas que é facilmente aplicado a várias outras metrópoles do Brasil.
Cada página é marcada pelo suor de um dos maiores jornalistas do Brasil em apurar mais de 20 anos de dados e relatos absurdos e revoltantes. Cada página carrega o sangue das histórias tristes e desumanas de vidas tiradas injustamente. E cada página traz uma angústia maior para quem lê, como uma torneira que goteja em um copo e ele nunca enche, não transborda no final. Afinal, o livro narra história de um período de tempo, de uma cidade do Brasil, de uma instituição pública de segurança, mas que está longe de serem os únicos lugares onde isso acontecia e muito menos a única época. É uma pesquisa que não tem fim, o final do livro marca apenas a continuidade de comparações de todas aquelas informações à realidade contemporânea do Brasil.
É impossível sair ileso depois da leitura desse livro, seja ao sair da bolha de segurança e privilégios, ou ao assumir uma extrema revolta aos culpados por essa realidade brasileira, o sentimento no final é de que precisamos de muito tempo para superarmos todos esses problemas do país. E são necessário muitos livros mostrando o "avesso" da história, como Rota 66, e também carnavais como o da Mangueira de 2019, para dar um gostinho de que a honra dessas pessoas mortas, humilhadas, esquecidas pelo Estado, foi vingada pelo povo.
A Rota 66 é o Brasil e esse livro não tem fim. Essa história continua nas favelas, periferias, subúrbios, ruas perigosas e lares de gente pobre, negra, mestiça, marginalizada.