Alessandro460 18/03/2023minha estanteOlá, Claire. Tudo bem?
Que bom que sua impressão sobre "O Morro dos Ventos Uivantes" tenha mudado. Você deu cinco estrelas para o livro, o que quer dizer que reconheceu suas qualidades. Realmente, trata-se de uma obra incomum dentro da literatura inglesa. Emily Bronte é uma romancista diferente das demais de seu período. Uma figura tão enigmática quanto sua obra, do mesmo modo que o protagonista de seu romance, Heathcliff, sua mais notável criação - vou explicar melhor isso, mais adiante.
Sobre alguns pontos que gostaria de comentar com você e que apontei em minha tese sobre o romance, que para mim é uma obra-prima. Acho que o aspecto que mais chama a atenção nesse livro é sua escrita muito diferente de outros romances escritos à época.
Em muitos trechos, a autora faz uso de uma linguagem poética, principalmente em suas descrições sobre a natureza que é vista como "romântica", mas é um romantismo muitas vezes violento, a exemplo dos fortes ventos e tempestades que perturbam o principal cenário Wutering Heigths - traduzido como "O Morro dos Ventos Uivantes".
Também no que se refere à escrita, o casal de protagonistas (Heathcliff e Catherine) é outro aspecto bastante peculiar, que merece nossa atenção. Eles não são amáveis e muito menos sociáveis, muito pelo contrário. Eles são dois outsiders à margem da sociedade inglesa.
Muito se fala de Heathcliffe e ele permanece um mistério a ser decifrado. Qual é sua origem e como isso se relaciona com a cor de sua pele morena? Haveria nisso, uma crítica social aos preconceitos sociais enraizados na sociedade inglesa, na época em que obra foi publicada?
Seria ele um rascal (imigrante indiano?), um mouro cigano ou de outra etnia que não seja inglesa- o que contribui para torna a obra ainda mais instigante? E a origem de sua riqueza, haveria ali, um flerte da autora com "Fausto" de Goethe, no que se refere ao pacto diabólico, tema muito explorado pelos românticos ingleses? São aspectos que eu gostaria que você comentasse.
Ele tem um comportamento irracível, tempestuoso, que em parte se deve à sua natureza selvagem e em outra ao maus-tratos sofridos durante a infância. Mas e Catherine, porque ela se idenfica tanto com ele? Por que Catherine também age de forma tão violenta, descontrolada e, principalmente, apesar de serem tão parecidos, porque ela o rejeita?
Neste aspecto, acho que ela é pior que ele, porque ela o ama- ao contrário de sua opinião, eu acho que eles são unidos pelo amor, mas não um amor "saudável", digamos assim, é um amor perverso, brutal, avassalador, com o vento furioso que sopra sobre a casa- isso me faz lembrar a imagem do furacão envolvendo Paolo e Francescha em "A divina comédia". - este aspecto é outro diferencial na obra. Mas, Catherine rejeita esse amor por convenções sociais. Ela tenta se ajustar na sociedade inglesa casando-se com Edgar, mas quem ela ama de forma incondicional é Heathciffe, conforme demonstra aquela famosa fala: "Nelly. eu Heathcliffe".
Após o reencontro do casal, acho que está o aspecto mais ousado do livro, em se tratando do ser uma obra do século XIX. Sutilmente, Brontë sugere que Cathy quer Heathcliffe se torne seu amante. Mas, ela planeja isso aos poucos, e, para isso ela usa Isabela - neste ponto, ela é ardilosa, pior que ele, mas aí o "feitiço volta-se contra o feiticeiro".
Vale destacar que nesta segunda parte, Heathcliffe é descrito o vilão gótico que remonta à tradição do que chamo de vilania gótica dos romances anteriores, principalmente de Anne Radcliff, assim como sua aparência remete a figura romântica do vampiro. Edgar que não é bobo, proíbe Cathy de vê-lo quando percebe que o "amigo da mulher" está invadindo seu território. Aí, vemos o que acontece: sem sua "alma gêmea", Cathy perde a vontade de viver e morre e isso se agrava pelo fato dela ficar grávida e ter filhos , o que acentua a sensação de se sentir presa no casamento.
Dessa forma, ela passa a assombrar Heathcliffe e por isso se torna para ele uma figura fantasmagórica. E a forma como a autora promove na obra o que chamo de "sobrenaturalização do real/natural" é outro aspecto notável e diferenciado de sua obra, que se faz a a partir da intervenção de dois narradores não confiáveis - a "fofoqueira" Nelly Dean e misantropo Mister Lockwood.
Por fim, tenho que falar que Hindey e a segunda Cathy são versões melhoradas do casal de protagonistas. É interessante perceber que a segunda Cathy consegue humanizar Hindey por meio da educação, o que denota a ideia que é possível tirar as pessoas do estado da brutalidade, por meio da cultura.
Enfim, Claire, acho que falei muito sobre a obra, mas essas são minhas impressões sobre ela e motivos pelos quais tanto a admiro. Quero aproveitar para elogiar suas resenhas com comentários sempre muito objetivos e interessantes.