Thiago Duarte 11/08/2022
Os bicampeões da Copa do Mundo de poesia
"[...]
Ah, filho meu de minha arrogância,
sempre estarei no cume desta paisagem andina
com una faca em cada mão para te defender e salvar." (p. 379)
Poeta Chileno, de Alejandro Zambra, narra a história de Gonzalo, um homem fascinante que almeja ser poeta e que é padrasto de um menino cheio de personalidade, Vicente, o qual, em seus 6 anos de idade, tem o hábito de ser viciado em se alimentar da ração de sua gata Oscuridad. Por sua vez, o doce menino acaba seguindo os passos de sua maior inspiração, diga-se de passagem: de seu padrasto, o que não acaba agradando a Carla, sua linda, mas nem tão adorável mãe, nem muito menos a seu pai, Léon, que não passa de um imbecil viciado em colecionar carrinhos de brinquedos. Há ainda a maravilhosa e ambiciosa jornalista Pru, uma nova iorquina linda, que tem um grande objetivoe missão: conseguir escrever um artigo para a revista a qual trabalha. E é aí que surge então a oportunidade da mais bela mulher viajar ao Chile e ter a brilhante ideia de escrever um artigo sobre os poetas chilenos.
É através dessa trama que Zambra faz o leitor mergulhar em uma viagem estupenda pelo Chile e trazendo algumas camadas saborosas. Uma delas, confesso que mais me chamou a atenção, é a relação de amor e afeto entre padrasto e enteado. Gonzalo se torna como um espelho para Vicente, uma vez que o doce garoto, assim como ele, também quer se tornar um poeta chileno, pois ao passo que vai crescendo, vai começar a se interessar pelos livros de poesia de seu padrasto e também de escrever os seus próprios poemas. Diferente da visão que absorve de seu pai biológico, o qual, além de não ser muito presente na vida do menino, não passa de um ex-advogado, agora corretor de imóveis, medíocre e que está propenso a dar mais atenção para o emprego e importunar algumas vezes, junto da mãe, a ideia absurda do filho de querer ser poeta.
Essa afeição "padrasterna" entre Gonzalo e Vicente é um dos pontos que, ao meu ver, torna o livro mais apaixonante, visto que nem mesmo alguns conflitos que acontecerão ao longo da narratica irão fazer com que esse amor se perca.
Outro ponto também brilhantemente marcante é a exaltação da poesia que em diversas vezes ocorre em detrimento da banalização da prosa, tendo em vista que para os poetas chilenos para ela não passa de livros que são grandes e que ficam enrolado páginas, por páginas diferentemente da poesia, que é algo mais sublime e que tem o poder de deixar o leitor mais extasiado, como pensa Vicente que "são os poetas e não os prosadores que devem capturar absolutamente todos os detalhes de cada experiência vivida, mas não para contá-los, não para vociferá-los num relato, e sim para inscrevê-los, por assim dizer, em sua sensibilidade, em seu olhar: numa palavra, para vivê-los numa palavra, para vivê-los (p. 194).
Este romance, como afirma Alejandra Costamagra é "O romance mais chileno e universal de Zambra, aquele que mais fala de literatura sem ser literário." O que realmente é um fato do começo ao fim dessa bela e encantadora obra. Aliás, ainda vale ressaltar que para os poetas chilenos a poesia é motivo de muito orgulgo já que se intitulam como "[...] bicampeões na copa do mundo de poesia, é a única coisa em que somos comprovadamente bons." (p. 244) ou ainda "Ser um poeta chileno é como ser um chefe peruano ou um jogador de futebol brasileiro ou uma modelo venezuelana". (p. 277).
O último e breve ponto, mas mega importante a ser mencionado nessa resenha é a preocupação em trazer a diversidade para a poesia. Mesmo que o cenário da poesia tenha uma grande porcentagem de poetas homens heteronormativos, é detalhado que as minorias vêm lutando para conquistar o seus direitos nesse espaço designado aos poetas chilenos, sejam esses grupos que estão à margem mulheres, homossexuais, idígenas, até porque todos os poetas chilenos estão destinados a tratar dos assuntos contemporâneos que dizem respeito as causas sociais em que esses grupos se encontram. Enfim, um olhar aberto com o objetivo de dissipar qualquer ideia que venha segregar ou calar a voz das minorias.