spoiler visualizarMeira.MB 22/04/2024
Resenha longa para livro longo
Clássico francês, um livro enorme de 1844, no qual foi baseado um de meus filmes prediletos (a adaptação de 2002), apesar de ter mudanças significativas em relação ao livro.
Li a edição comentada em volume único da Zahar, com bonitas ilustrações da época, e que precisou usar folhas bem fininhas para caberem no livro (o que incomodou um pouco, pois as páginas ficaram um pouco transparentes, mas não atrapalhou a leitura).
A tradução usava termos um pouco arcaicos (talvez para melhor se adaptar à linguagem rebuscada de Dumas), como "Rapariga" para as moças ou termos que eu precisava buscar no dicionário as vezes.
As notas de rodapé, um dos diferenciais dessa edição, acabaram me desapontando, pois eram majoritariamente contextualizações sobre o cenário político do período ou mini biografias das várias personalidades muito citadas ao longo da história, pois Dumas recheia seus parágrafos de referências e analogias. Quase não haviam notas sobre o autor ou com curiosidades sobre o livro em si, então depois de um tempo passei a ignorar as notas pois não acrescentavam muito na história e ainda atrapalhavam o fluxo da leitura.
A história se passa na França no período e pouco após a época de Napoleão. Acompanhamos Edmond Dantes, um marujo em ascensão em sua empresa, noivo prestes a se casar, que parecia ter a certeza da felicidade. No entanto, por inveja de seus próximos (Danglars querendo seu salário, Mondego sua mulher, e Caderousesse de otário), armam um esquema junto ao juiz Villefort (que aproveita a situação com Napoleão para ganhar força política), e Dantes acaba preso no Castelo de If, onde passa mais de uma década e conhece o Abade Faria, de maneira semelhante ao filme.
Ao se libertar e retornar para a França, após uma estreia em Roma, começam as maiores diferenças em relação ao filme.
Aqui, muitos outros personagens aparecem, e de maneira mais complexa - quase todos apresentam famílias e filhos, com relações entre eles, além de personagens externos ao núcleo que não participaram da primeira parte, mas que terão influência na história.
Jacopo, o fiel ajudante do filme, é quase ausente, substituído por outros empregados que não sabem o segredo do Conde.
Nesta parte, a história segue por jantares encontros da aristocracia francesa, com alguns capítulos inicialmente chatos, com grandes diálogos e sem muitos acontecimentos. Com o passar da história, no entanto, podemos perceber como o Conde, nesses encontros e conversas, sutilmente manipulava e implantava nos outros as ideias que os levariam à ruína no final, fazendo com que cada tragédia seja seja fruto de seu próprio dono!
Ainda assim, alguns capítulos parecem completamente desnecessários, como aqueles onde ele descreve longamente o passado de personagens coadjuvantes.
SPOILERS:
O final difere muito do filme, e inusive das expectativas que teríamos hoje em dia. Mondego/Morcef, que roubou sua esposa, acaba morto após encontrar-se humilhado e abandonado por sua família. Villefort termina louco após uma série de mortes em sua casa, dignas de história de detetive. Caderousse morre de otário, novamente.
E Danglars, o idealizador de tudo no início, acaba preso, perdendo seu dinheiro e passando fome, assim como aconteceu com Edmond no início, mas termina perdoado pelo mesmo, que sente que já avançou demais com sua vingança. Cada um acaba arruinado por seus próprios erros (muitos realizadas de maneira independente após o golpe em Edmond, mas que este acabou descobrindo e utilizou em seus planos).
Outros personagens "novos" aparecem, como Benedetto, que é um ladrão, filho ilegítimo de Villefort e é manipulado pelo Conde para desonrar as famílias Danglars e Villefort, em um suposto casamento com a filha de Danglars (e, estranhamente, sua irmã, o que não foi citado apesar da polêmica associada. Felizmente o casamento não ocorreu, e a moça fugiu em um relacionamento lésbico, com surpreendente pouca repercussão).
Morrel, filho do ex patrão do Conde, entra tardiamente na história como um mocinho passivo, e acaba com a filha de Villefort, em um relacionamento paralelo.
Já o Conde, apesar de ter perdoado, reencontrado e mesmo ainda estando apaixonado por sua ex noiva, não fica com Mercedez, que termina em reclusão como penitência por seus erros, e sozinha.
O Conde termina feliz, com Haydée, personagem nova que surgiu como sua protegida, com relações com o passado de Morcef, e que revela amar o Conde no final. Um relacionamento que foi construído no meio da história, mas que causa certa estranheza por não remeter ao amor do início da trama, como acontece no filme com Mercedez.
Um livro longo, com alguns desenvolmentos excessivos, mas que possui uma história muito bem elaborada com tramas complexas e muitas camadas de relacionamento, com foco no emocional e no caráter humanos. Uma história de um protagonista quase vilão, obcecado pela vingança, e onde ninguém sai ileso.