Luigi.Schinzari 18/09/2020
Algumas palavras sobre Germinal
Germinal (1885), de Émile Zola (1840-1902), é um livro sujo. Seu tema -- a revolta de mineiros da cidade fictícia de Montsou, onde se indignam contra condições de trabalho degradantes -- e sua linguagem tipicamente naturalista, usuária da linguagem e dos termos mais grosseiros e depravados para buscar a poesia em meio a lama (ou carvão, mais apropriado a história), são os elementos que, propositalmente, irão chocar e atrair o leitor, enquanto Zola, admirador (o que não é o meu caso) das teorias marxistas, preenche todo o clima de sua obra com a revolta crescente dos trabalhadores contra seus patrões e sua consequente manifestação.
É notório um autor, sempre com suas ideologias, conseguir trabalhá-las de modo distante e crítica. Zola, um francês entusiasmado com as teses marxistas e anarquistas recém-surgidas no continente europeu, consegue expor em suas personagens múltiplas visões -- muitas vezes de acordo com seu posicionamento político: Étienne Lantier, o protagonista, é um jovem recém-chegado a mina Voraz e com um espírito revolucionário entranhado em seus pensamentos e ações, sendo a figura que despertará o ânimo de revolta nas vidas maltratadas, cansadas e ordinárias dos funcionários da precária Voraz; Suvarin, um niilista russo e refugiado na França após um atentado frustrado ao tsar (inspirado na onda niilista russa que acabou culminando no assassinato de Alexandre II e muito bem tecida nas impecáveis obras Os Demônios, de Dostoiévski, e Pais e Filhos, de Turguêniev), e fortemente influenciado por Bakunin e suas teses anarquistas, em sua forma mais pura e bruta; a família Maheu, maior representação da conformação com a situação degradante e, depois, exemplo dos efeitos revolucionários na vida de Montsou; Rasseneur, um antigo funcionário da Voraz que, assim como Étienne, já tentou despertar a revolta, mas foi silenciado por seus patrões e, com o tempo, mesmo com a cabeça revolucionária, não cede aos impulsos da barbárie, como tantos outros personagens, até mesmo os mais racionais, irão até o fim da obra. Todos eles, em seus posicionamentos, dividem um traço: são falhos.
Zola não poupa suas crias, como um pai bondoso que espelha em seus filhos sua mais alta moralidade e certezas absolutas, de errar e serem degradantes -- mesmo sendo elas as representações de seus ideais. -- São muitos os momentos de depravação -- depravação esta que é elemento fulcral da bestialização que o trabalho desumano causa nos moradores daquela vila -- e de violência; e são bárbaros e perturbadores: a explosão destes sentimentos não é gradual, assim como um acidente em uma mina como a deles não seria também, ocorrendo sem avisar e causando grandes estragos. As descrições feitas pelo autor, extremamente lírico, nos faz questionar como extraiu tanta beleza de tanta selvageria, e como extraiu tanta selvageria de tanta beleza. São vários os momentos de lirismo puro, enquanto as personagens chafurdam em uma maré de desgraça e ódio crescente, deixando o leitor preso àquela vila tão maltratada.
Discordando ou não da visão marxista, Zola conseguiu deixar -- pelo menos até o penúltimo capítulo, pois no último acaba adotando tons menos críticos e mais ideologizados, infelizmente; talvez seu único erro -- seu livro universal por conta da boa escrita e de seu talento em retratar a humanidade como ela, com suas falhas e contradições. O patrão draconiano da mina Voraz possui sentimentos nobres, assim como o herói revolucionário Étienne têm suas intenções além da pura causa "altruísta" em despertar o fogo da revolta na população de Montsou; não há generalidades em Germinal, assim como foi adotada por autores (menos talentosos, obviamente) Naturalistas que vieram depois e se inspiraram, com muito menos brilhantismo, na obra-prima de Zola. Com certeza Germinal não deixará, seja por sua linguagem bela mas podre, seja por sua história interessante, seja por suas personagens muito bem construídas e extremamente humanas -- Germinal irá atrair qualquer leitor e deixará uma forte impressão, seja ela de horror ou de inspiração, em quem procurar lê-la. Essa universalidade é o que a distingue de simples campanha política, que a afasta da pobre demagogia que vemos escorrendo das prateleiras de nossas livrarias, independente do espectro ideológico, e a transforma em boa-literatura, em um verdadeiro clássico.