Valéria Ribeiro 15/05/2024
Magistral
Li Germinal na adolescência e agora reli a história e, claro, a minha visão da obra foi outra.
A narrativa centra-se na vida dos mineiros de carvão na região de Montsou, no norte da França, durante a Segunda Revolução Industrial. O protagonista, Étienne Lantier, um jovem operário desempregado, chega a Montsou em busca de trabalho e acaba se juntando aos mineiros da Voraz. A história retrata de forma visceral as condições desumanas e a exploração brutal enfrentadas pelos trabalhadores, que vivem à beira da miséria.
Zola descreve com detalhes meticulosos o cotidiano opressivo dos mineiros, suas lutas e seus sonhos. A narrativa não se limita à exploração econômica; ela também aborda as tensões sociais e os conflitos internos das comunidades operárias, expondo a degradação moral e física causada pela pobreza extrema. A condição das mulheres e das crianças foi uma das coisas que mais me estarreceu. As primeiras, submetidas à violência e exploração (inclusive sexual); as segundas, usadas como ferramenta de trabalho, inclusive pelos pais. Ambas submetidas a condições de trabalho desde a os dez anos de idade.
À medida que Étienne se integra à comunidade dos mineiros, ele se torna um fervoroso defensor da justiça social e começa a incitar uma greve para protestar contra as condições deploráveis de trabalho e os baixos salários. A greve, que ocupa uma parte central do romance, é retratada com uma intensidade crescente, refletindo a desesperança, o sofrimento, a fome sempre presentes e a determinação dos trabalhadores.
Zola criou personagens ricos e multifacetados. Étienne Lantier é um herói trágico, cuja idealismo e impulsividade muitas vezes o levam a enfrentar dilemas morais. Sua evolução durante a história, em consequência de sua educação autodidata, é facilmente verificada. A busca por conhecimento de forma desordenada faz com ele se sinta em conflito com diversas teorias e cada vez mais afastado de seus camaradas.
Outros personagens, como Catherine Maheu, uma jovem mineira dividida entre o dever familiar e o amor por Étienne, e o implacável capitalista Hennebeau, que personifica a indiferença da classe dominante, contribuem para a profundidade emocional e social do romance. Temos, ainda, o bonachão senhor Gregóire que vive de renda personificando a face displicente e inconsciente da burguesia que vivendo com uma venda nos olhos, enquanto a classe trabalhadora morre de inanição.
O ritmo da narrativa é excepcional chegando a lembrar, em algumas passagens, um thriller em que nos vemos lendo com a respiração suspensa e aguardando ansiosamente o desfecho da cena,
Além de ser uma obra literária magistral, "Germinal" é também um poderoso comentário social e político. Zola não apenas expõe as injustiças do capitalismo industrial, a luta entre trabalho e capital, mas também realça o potencial revolucionário da classe trabalhadora, evidenciando tanto as suas forças quanto as suas fraquezas.