Spy Books Brasil 07/08/2023
Um jogo de damas chinesas!
Pense num jogo de Damas Chinesas, onde três oponentes se enfrentam e precisam posicionar suas peças de forma a prejudicar os planos de seus oponentes e chegar em primeiro lugar ao objetivo.
É mais ou menos esse o formato de Tripla Espionagem, o primeiro livro lançado por Ken Follett após o enorme sucesso alcançado com O Buraco da Agulha.
O resultado é um obra de fôlego, que mantém o leitor pendurado na tensão causada por cada jogada de cada um dos personagens em disputa. Tem uma escorregada ligeira no final, mas antes de chegar lá, vamos conhecer melhor a trama.
A trama - Avisado por um informante bem colocado dentro do serviço secreto egípcio de que o governo do Cairo está construindo armas nucleares com o apoio dos soviéticos, o governo israelense decide que a única chance de salvação para Israel é construir suas próprias bombas atômicas antes dos árabes.
O problema é conseguir plutônio, a substância radioativa controlada pelos países do seleto clube de detentores de ogivas nucleares.
Para solucioná-lo, o Mossad recruta um de seus melhores operativos.
Nascido na Inglaterra, veterano da tomada da Sicília e sobrevivente de campos de concentração, Nathaniel Dickstein emigrou para a Palestina em 1948 para lutar a Guerra de Independência de Israel e se tansformou num dos melhores oficiais de operações especiais do serviço secreto israelense.
Sua missão em 1968, quando se passa a história, é roubar 200 toneladas de urânio – que podem ser convertidos em plutônio nos reatores nucleares israelenses – sem que as autoridades europeias que controlam os minérios radioativos descubram o sumisso do material.
Para cumpri-la, ele terá de enfrentar agentes egípcios e a KGB.
As personagens – A trama, que já seria suficientemente interessante por si só, ganha contornos ainda mas dramáticos porque Follett coloca em campo três personagens antagônicos que se conhecem pessoalmente.
Na introdução do livro, ele cria uma cena em Oxford, na Inglaterra, em 1947.
Nat Dickstein e David Rostov – o agente da KGB – são colegas de universidade. Eles se encontram durante uma recepção na casa do professor Stephen Ashford, que é casado com uma belíssima mulher libanesa chamada Eila, mais nova do que ele, e por quem Dickstein é platonicamente apaixonado. Nessa festa, ela apresenta um amigo de infância que a está visitando, um palestino chamado Yassif Hassan, filho de um próspero comerciante e que, aparentemente, é amante de Eila.
Esses três se enfrentarão em 1968, quando Dickstein cria o plano para roubar o urânio. A KGB, representada por Rostov, quer impedir o sucesso da missão israelense e eliminar Dickstein. Hassan, por sua vez, se tornou agente do serviço secreto egípcio, que atua em conjunto com os soviéticos. Ele é envolvido na operação porque é o primeiro a avistar Dickstein em Luxemburgo e só o reconhece por conta do passado em Oxford.
Protagonistas e vilões – Dickstein é claramente a protagonista da história. A trama, é preciso deixar claro, é simpática à causa israelense. Follett desperta a empatia com leitor apelando para todo um passado de sofrimento de sua personagem israelense.
Dickstein perdeu o pai ainda criança e a família enfrentou dificuldades financeiras. Na Segunda Guerra, ele se alistou no Exército Britânico, mas foi ferido em batalha e capturado pelos alemães. Quando descobriram que ele era judeu, os nazistas o enviaram para um campo de concentração onde passou por supostas "experiências médicas" bárbaras. Ele sobreviveu, mas o preço em termos emocionais foi enorme. Depois de ter se apaixonado por Eila – que não o correspondeu e preferiu um amante palestino –, ele se fechou para o amor e foi lutar pela independência de Israel. Ele sofre de uma necessidade de estabilidade – um estado judaico, um lugar que seja seguro, pelo qual está disposto a dar a vida.
David Rostov, que conheceu Dickstein e simpatizava com ele em Oxford, por enxergar no colega judeu tendências socialistas, se tornou coronel da KGB em 1968. Ele tentou recrutar Dickstein em 1947, mas não teve sucesso. Ao longo dos anos, viu o arquivo do ex-colega de universidade crescer com seus feitos pelo Mossad.
Ele assume o papel de um vilão light. Impedir Israel de conseguir a bomba é o objetivo, mas o que o move não é o ódio pelos sionistas. Levemente desiludido com o sistema de privilégios do politburo soviético – principalmente depois que seu filho mais novo, um aluno brilhante de matemática, perde sua vaga na universidade para o filho do chefe de Rostov apenas por causa do status superior na KGB –, ele é movido pela necessidade de ascensão na estrutura do partido.
Nesse contexto, a possibilidade de capturar Dickstein é uma forma de ganhar o lugar de seu chefe e ampliar seu poder no sistema. Essa é a necessidade que o move na caçada.
Yassif Hassan, sim, é um vilão clássico, movido por motivos viscerais.
Criado no conforto de uma família palestina abastada que podia pagar para que estudasse em Oxford, ele viu seu pai perder tudo com a criação do Estado de Israel. Hassan consegue um emprego num banco em Luxemburgo e se afasta do campo de refugiados no Líbano, onde o pai dele vive na miséria. O ódio que sente pelos israelenses, porém, não diminui com essa distância e ele se alista no Serviço Secreto Egípcio, onde tem um papel subalterno, até reconhecer Dickstein num hotel em Luxemburgo. A partir desse momento, ganha notoriedade e o motivo de sua existência passa a ser a destruição do antigo colega judeu dos tempos de universidade.
O fator surpresa – Existe uma quarta personagem que nasce como secundária, mas acaba ganhando importância e protagonismo na trama. Suza Ashford, a filha do professor Ashford e de Eila, se tornou uma linda aeromoça de 25 anos, cópia idêntica da mãe, a ponto de confundir as pessoas que conheceram Eila na juventude.
Em 1968, Eila já morreu. Suza vive com o pai, que continua lecionando em Oxford, e acaba involuntariamente envolvida na trama. Como Follett é um romântico incorrigível – tendência que já se notava em O Buraco da Agulha –, Suza acaba crescendo de importância na trama por motivos que não revelarei para não dar spoilers.
Graças a ela, Follett lança mão de um subterfúgio interessantíssimo, que inverte a mão do mistério. Funciona assim: o leitor, e apenas o leitor, sabe a verdade a respeito das reais lealdades de Suza na trama. Todas as personagens da história pensam que ela tem uma posição diferente, o que inevitavelmente a empurra na direção da catástrofe.
É uma belíssima forma de criar ansiedade nos leitores, que sofrem com a tragédia que se avizinha, sabendo que ela não merece aquele destino.
A escorregada – Para saber onde foi que o autor escorregou, leia a resenha completa no Spy Books Brasil: spybooksbrasil.wordpress.com.br
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