@fabio_entre.livros 16/07/2024
Romeu e Julieta português
Quando a imaginação febril de um ultrarromântico junta Shakespeare com trechos verídicos da história de seus próprios antepassados, está formada a base para um clássico da literatura. Eis a fórmula de "Amor de perdição", obra que reflete muito do estilo de vida de seu autor.
Moderação, discrição e equilíbrio são conceitos estranhos a Camilo Castelo Branco, que levou uma existência pautada por escândalos e desgraças. O tom fatalista, típico do Ultrarromantismo, está perfeitamente representado neste romance que conta o também típico amor impossível entre Simão e Teresa, dois jovens separados pelo ódio imorredouro de suas respectivas famílias.
Para mim, esta é uma releitura, e posso afirmar que foi uma experiência bem mais proveitosa do que a primeira. Na época, já saturado do Romantismo, achei a obra piegas, caricata e inverossímil. Essas características permanecem visíveis na releitura, mas não de maneira tão gritante quanto da primeira vez. Talvez isto se deva ao fato de que agora eu atentei a outros aspectos do livro que me agradaram bastante, como o humor pontual (mesmo em se tratando de uma tragédia) e a presença de dois personagens coadjuvantes que são, afinal, interessantíssimos: João da Cruz e sua filha Mariana. O primeiro é responsável pela maior parte do tom humorístico do livro, com suas falas proverbiais cheias de "sabedoria rústica", mas também dotado de um senso de lealdade raras vezes visto na literatura da época. Já Mariana é uma personagem instigante: compõe o elemento sobressalente do romance, tornando-o um triângulo amoroso igualmente doloroso para ela, que não é correspondida. Porém, a falta de reciprocidade por parte do ser amado não a torna amarga ou rancorosa; justamente o contrário: ela é uma mulher forte e corajosa, e principal mediadora da correspondência entre Simão e Teresa, além de ter o mesmo nível de lealdade do pai.
Quanto ao casal protagonista, dentro das diretrizes românticas, eles são o arquétipo dos amores trágicos: Simão, impulsivo e com um código de honra ditado pelas "razões do coração"; Teresa, resistindo às pressões daqueles que querem separá-la de seu amado, preferindo o martírio e a morte a um casamento arranjado.
Para a época da publicação, foi um livro de sucesso, bem ao gosto exagerado da moda literária de então; para nós, hoje, pode soar absurdo e totalmente deslocado da realidade, mas, levando em conta a própria perspectiva de vida do autor, talvez fosse mesmo desses exageros emotivos que se compunha a realidade. Que Eça revire no túmulo.