MatheusPetris 19/07/2021
O Amor de Perdição, do título, não se refere apenas ao casal de enamorados, ele corporifica-se alastrando-se e laçando as personagens da trama, sufocando-as, para depois, reduzi-las ao pó. A dita perdição nasce de uma impossibilidade, uma impossibilidade calculada pela intriga familiar. Duas famílias que nutrem um ódio para com outrem e, não se dobrarão, mesmo que sob ameaças da cessação da vida daqueles que amam. Os costumes e leis morais que regem a sociedade estão acima dos sentimentos, estão acima dos laços sanguíneos. Mais vale uma imagem a zelar, do que ceder a uma paixão jovem e desenfreada. Nisso, ambas as famílias combinam-se, agem friamente de acordo com seus princípios.
Diante dessa inexorável e incontestável guerra familiar, as injúrias já não bastam e as regras são quebradiças diante de tanta paixão, por isso, resta como opção a dissolução do seio familiar. Para isso, os patriarcas dessas famílias, preferem os filhos o mais distantes possível, de modo que não possam se reencontrar. E nisso, a estrutura do romance de Camilo é notável em abusar das artimanhas novelescas, das pontas da trama que estão prestes a explodir e não explodem. Podemos pensar naquilo que Umberto Eco intitulou de estrutura sinusoidal, uma rede de tensões e distensões urdidas pela trama, a fim de prolongar o sentimento do leitor, bem como capturar sua atenção. Segundo o autor, o romantismo errou muito ao criar tantas linhas na trama que se tornam insolúveis, afinal, são criadas pela necessidade (editorial em até certa medida) da construção de uma nova tensão.
Não acredito que seja o caso, contudo, faço uma ressalva, pois, podemos observar isso em algumas mortes súbitas, resoluções de sobressalto no destino de algumas personagens, talvez, por não ter forma melhor de lidar com seus destinos. Portanto, existe uma resolução, uma amarração, mas insatisfatória diante da complexidade que a personagem era construída até então. Todavia, vale lembrar que o romance foi escrito em inacreditáveis quinze dias.
Fechado o enorme parênteses, enfim, voltemos ao casal. Diante da tal separação mencionada, resta uma única aliada: a linguagem, a palavra. Sendo ela, a única forma de afeto, de toque. Tal afeto, é construído por uma troca epistolar, é a forma de aproximação que lhes restam. Não importando a distância, a palavra também vem como sinal de resistência, de luta. E é neste paradoxo que o amor vai florescendo cada vez mais: quanto mais tentam afastá-los, mais eles se aproximam.
Convencionou-se chamar o autor de ultra romântico. Neste romance, acredito que esse termo vem residir num imbricamento entre o romantismo e a tragédia, entre a vida e a morte. Pensemos. O exagero não vem apenas da palavra, mas claro, tem seu toque, pois, os enamorados cometeriam tantos atos de bravura, caso não houvessem lido tantas declarações eufóricas de amor?
A imagem final, vem reiterar esse paradoxo que menciono acima, pois, enquanto as personagens protagonistas se afastam – ela, em espírito, do mirante, ele, no navio, em direção a prisão –, o amor deles é tão forte que se resvalam espiritualmente, se encontram, cedendo enfim a morte, pois, sabem da impossibilidade viverem o amor. E não para por aí. O ultra não é à toa, e a perdição com que abri esse pequeno ensaio é derradeira.
A perdição se ramifica após a morte de Simão e Teresa. E, a “santa” Mariana, que abdicou de toda sua vida para amar e resguardar um homem que sabia amar outra, também se perdeu junto ao seu sentimento. Essa bela e paradoxal (novamente) imagem, de um navio se afastando de um mirante e de uma dama se lançando junto ao mar para abraçar um defunto, é tão forte e impactante quanto uma tragédia grega. Eis o ultraromantismo. O amor é o ceifador de vidas, talvez, um sinônimo para a morte.