@guiiisa 22/07/2024
"AO VENCEDOR, AS BATATAS!"
Comecei o livro me sentindo lendo um Bridgerton (claro que mais conservador sem toda aquela putaria da autora), pois se tratava de indivíduos tão podres de riqueza que suas únicas preocupações eram com paixões secretas, casamentos e luxúria. Nisso, sentia que cometia sacrilégio ao pensar dessa forma, mas se tratava do meu primeiro contato com a escrita do Machadão e pela minha falta de inteligência estaria logicamente limitado, mas, ao passar de minhas leituras nos ônibus a caminho do trabalho, percebi até aonde ia a toca do coelho. Sério, agora sem sarcasmo, apesar de não conseguir pegar toda analogia ou referência que tornam esse escritor tão riquíssimo, senti que minha leitura foi fluída e conseguia pegar (por incrível que pareça) grande maioria das críticas, é como se Machadão tivesse a Intenção de escrever um romance que agrade o leitor médio enquanto planta sua desvalorização nacional por baixo dos panos. Ao final, fiquei com aquele gostinho de "quero mais", e para sanar meus estudos e curiosidade sobre o trágico desfecho de Rubião e Quincas cachorro, decidi reunir minhas anotações somando com os principais tópicos de vídeo-aulas (assim como fiz em minha "crítica" de Marília de Dirceu), portanto, ficam meus créditos a professora Miriam Bevilacqua do canal Biblion, João Ribas do canal Líterabrasil e Raphael Valim pela própria editora Antofágica.
Se tratando do segundo livro da trilogia realista (ou tríade machadiana, para quem quer pagar de intelectual), dentro do movimento literário Realismo, ambos inaugurados por Memórias Póstumas de Brás Cubas, essa obra foi primeiramente lançada em folhetins, hoje conhecemos como capítulos semanais, entre 1886 a 1891 pelo jornal "A Estação: Jornal Ilustrado para a Família" (Encontrei o acervo digital pelo DOCPRO e BNDigital, deixarei os links a baixo), mas somente em 1892 Machadão reúne todos os capítulos, alterando quase que totalmente e lançando o livro definitivo (e talvez primeiro Spin-Off da literatura nacional), que lemos hoje obrigado pelo vestibular. Indo ao que interessa, a obra se inicia contextualizando quem são e a amizade de Quincas humano com Rubião, mas, curiosamente, o primeiro tópico ao qual todos os educadores tocam, está na definição da filosofia deste Quincas, a Humanitas, onde a supressão de uma vida é a condição de sobrevivência de outra, espécie de crítica ao positivismo de Auguste Cumt e o monismo do Darwinismo social de Herbert Spencer, ao mesmo tempo que se apropria de diferentes outras filosofias como o Pessimismo de Schopenhauer (uma verdadeira salada). Isso posto, aqui se encontra toda a admiração dos professores de literatura pelo livro, pois essa filosofia, introduzida logo no início, será discorrida e exemplificada por toda a história de Rubião, uma vez que se tratará de uma elite do século XIX oportunista e aberto a troca de favores alá Poderoso Chefão, que justifica o extermínio indireto dos menos abastados para atingir objetivos próprios, não é à toa que em seu leito, Quincas satiriza a "positividade tóxica" de Pangloss, personagem do romance "Cândido" de Voltaire, ao qual este encontra "desculpas" para justificar ou enxergar naturalidade na crueldade e desgraça alheia, e, no fim, Machadão não só critica a sociedade carioca de sua época, mas critica o homem e sua humanidade naturalmente bárbara. Dessa forma, e voltando ao Humanistas, para entender esse processo, onde a morte de um é condição de sobrevivência para outro (tipo battle royale como Fortnite, PUBG ou Jogos Vorazes), no caso do livro, essa "condição" se trata de riqueza, presente desde a ascensão e queda do tio de Quincas humano, passando por Rubião, que perde a lucidez para Palha e Sofia ascenderem sua posição social, que para alguns, determina como enxergamos o mundo, tanto que durante a ascensão de Rubião, este só entende o Humanitas quando recebe a herança e começa a sentir-se orgulhoso e desprezar quem é "inferior" a sua posição, mas não para por aí, durante minha finalização da leitura perguntei-me se Machadão iria contentar-se somente em criticar os ricaços (como um bom petista médio), e não, este guarda o melhor para o final, se essa "condição" se trata de riqueza, ele pode ser de muitas outras formas além de financeira, portanto, a Humanistas é presente até nas classes menores, exemplificada pelo modo como os cidadãos comuns e crianças maltratam Rubião quando este cede a loucura pelo parasitismo de Palha, Sofia, Camacho e Cia, pois esses não possuem riqueza, ao menos possuem lucidez e serão cruéis ou normalizarão os inferiores a isso, mostrando como classe social não define porcaria nenhuma, ao mesmo tempo que Quincas cachorro sendo escrito por uma linguagem antropopática por Machadão, exemplificando que o animal é mais humano que esses cidadãos.
Agora, discorrendo sobre essa "positividade tóxica", é necessário entender o processo da escrita do livro pelo Machadão, que como já dito, este demorou cerca de seis anos para finalizar sua obra definitiva, que conforme os professores citados, algo incomum para este e folhetins da época (imagina quem espera o próximo livro das Crônicas de Gelo e Fogo), acredita-se que tal escrita tornou-se um desafio, pois o gênero romance e ideias liberais da Europa não combinavam com o exame social que o autor gostaria de escrever, sendo necessário toda uma subjetividade no livro e sabemos como este é um escritor de muitas camadas e tentava não repetir, muito menos reciclar, conceitos e desenvolvimentos que já havia escrito, outro motivo, de acordo com Raphael Valim que cita o crítico John Gledson, está nas "atualidades" em volta de Machadão, que escreve em meio a abolição da escravatura e proclamação da república, portanto, aqui que gostaria de chegar, todos sabemos que a proclamação foi um golpe de estado pelos militares, o que não contam é que estes foram inspirados pelas "controversas" ideias iluministas da Revolução Francesa, que segundo o professor Guilherme Freire no episódio 1249 do podcast Inteligência Ltda., não é à toa que na atual e imitada bandeira nacional apagaram todos os valores históricos, culturais, monárquicos e cristãos para enfiar "Ordem e Processo", nisso, Machadão vem para satirizar todo esse cinismo a partir de alegorias e metáforas. Bom, se acabei de resumir a intenção moral do livro, agora qual a graça de lê-lo? Caaalma jovem padawan, a graça de toda história está sempre em seu desenvolvimento, em como o Machadão tenta racionalizar esse processo histórico de mudanças sociais, governamentais e extermínio por uma elite.
Por fim, Machadão deita em como criticar sem militar nessa obra, entregando uma história com conceitos atemporais, pois todos os dias ocorrem mortes e guerras no mundo, e todas são naturalizadas, quantificados na miúda de jornais ou usadas como entretenimento em transmissões, agora entendo a riqueza da escrita Machadiana, cheia de ironias, alegorias e referências (mas bah piá, por que Machadão é tão irônico em sua escrita? Pois é a partir de piadas que explanamos criticas a realidade cruel, tipo o Coringa), este cita vários trechos em latim ou francês, também cita grandes escritores como Shakespeare ou histórias como Hamlet e tragédia grega, cita nome de locais reais da antiga capital real, nisso, a professora Miriam Bevilacqua diz que era algo muito comum, pois mostrava o conhecimento e erudição do autor, mas acredito que seja além, todos essas referências possuem papel metafórico/alegórico para os personagens durante a história, como a própria intenção de batizar o protagonista como Pedro Rubião de Alvarenga, referenciando o Dom Pedro II num Brasil em declínio da monarquia e a ascensão e queda do personagem pelos respectivos significados "Pedra" e "Rubi" no nome, até citando a frase "A sorte esteja lançada", a partir do doutor Camacho que cuida de Rubião louco, que também é dita pelo Imperador Cesar durante sua passagem ao rio Rubicão séculos atrás (mais outra referência ao protagonista), a própria loucura de Rubião pode-se ser uma alegoria a dicotomia entre humildade de Barbacena (em razão, o protagonista volta para lá ao final) e a soberba da corte real, curioso que Rubião, durante sua ascensão passa por um morador de rua numa escadaria de uma igreja, assim como Quincas humano já foi esse morador jogado na escadaria de outra igreja em Memórias Póstumas. Machadão é mestre no pessimismo, frase curta, intertextualidade e sátira, a escravidão, tratada como ausente, assim como todos agimos a respeito, está no modo como os personagens agem com seus servos e, mais especificamente, numa lembrança de Rubião sobre o enforcamento público de um escravo onde a população, "civilizada", glamoriza essa crueldade, seus personagens possuem camadas que torna interpretativo para diferentes leitores, para alguns, Rubião encontrava interesse financeiros nos cuidados ao Quincas, outros, enxergam bondade na amizade de Palha com Rubião apesar da ambiciosidade, sobre a edição, essa conseguiu sobreviver na minha mochila por um mês, Emicida poderia se contentar somente aos seus raps, agora são muito bem vindos os posfácios de João Cezar de Castro Rocha, Ana Paula Salviatti e Jeferson Tenório e as notas do livro por Rogério Fernandes dos Santos que salvou minha leitura, o QR code sobre as duas vídeo aulas do livro é muito mais enriquecedor do que colocar questões de vestibulares ao final do livro e sobre as ilustrações do artista Samuel de Saboia, melhor nem comentar. Foi uma luta encontrar tempo para ler este livro e ainda mais para escrever está "critica", mas, concluindo, fica a pergunta: o título do livro se refere ao filósofo ou ao cachorro?