jhdep 11/04/2022
a trajetória de um romântico incurável
"Sim, sim, sou apenas um viajante, um peregrino sobre a face da terra! Mas e vocês, por acaso são algo mais do que isso?"
saudosismo, idealismo, apego à natureza, fragmentação, subjetivismo... "os sofrimentos" congrega em si todas as características que marcam o romantismo alemão e que irão se espalhar pelas expressões desse período literário ao redor do mundo. porém, deixando de lado o enredo e as características românticas que já são conhecidos de grande parte do público, gostaria de pontuar as reflexões filosóficas propostas por goethe nessa obra, que não só se destacam por reverberarem o pensamento filosófico do sec XVIII, mas também por preverem discussões que serão abordadas por filósofos notáveis do século seguinte.
o diálogo com albert sobre o suicídio talvez seja o ponto alto da obra: numa tentativa de defender os suicidas das acusações de albert de que seriam pessoas meramente fracas e imorais, werther proclama: " (...) Vocês por acaso são capazes de desvendar com precisão as causas, as razões pelas quais isso acontece e as razões pelas quais é inevitável que isso aconteça? Se vocês soubessem mais sobre o assunto, por certo não se afobariam tanto na hora de desferir tais juízos."
ainda que não fosse intenção de um burguês romântico explicitar as causas econômicas envolvidas em tal ato, é interessante comparar com a discussão sobre o suicídio que a sociologia abordará em sua fundação, através de marx e durkheim: o suicidio deixa de ser coisa de românticos incuráveis, e passa a ser fruto de uma sociedade de classes exploradora e desigual.
outro ponto que gostaria de levantar é sobre uma passagem onde, logo após werther desejar que pudesse ser um trabalhador para que ocupasse seu tempo com outra coisa que não o amor idealizado, repensa: "Às vezes também acho que isso me faria bem, mas, logo em seguida, quando penso de novo no assunto e lembro da fábula do cavalo que, impaciente com sua liberdade, deixa-se selar, encilhar e depois acaba sendo cavalgado até a exaustão;". aqui, o trabalho como superexploração apontado por werther, ironicamente, dialoga com o conceito de alienação e mais-valia que marx e engels tratarão no sec XIX.
enfim, muito além de um dramalhão previsível, o livro acompanha a jornada filosófica de um romântico incontornável que se faz sujeito a partir de um(a) outr(a), e, por isso, também enfrenta sua derrocada com a impossibilidade da concretização de seu amor. lotte é, para werther, não só um objeto de desejo, mas também um espelho que reflete seus sonhos, intenções, virtudes e ideologias, e o ideal da mulher perfeita que sequer existe. lotte é o outro, que, na verdade, é o próprio werther.