Eduars 16/07/2009
Os Lusíadas
LEMBRO-ME como se fosse hoje, fiquei envergonhado com o testemunho de um primo que havia lido a Bíblia inteira. Eu não lia nada e todos liam alguma coisa, até mesmo um tio “doido de pedra” lia um quadrinho Tex. Resolvi pegar alguma coisa no colégio para ler, os alunos geralmente pegavam uma coleção de capa vermelha, os títulos eram: As valquírias, Brida etc., hoje dou graças a Deus em não pegar esses livros, já que é pra ler que seja algo que preste. Como não-iniciado na arte dos livros acabei em escolher um pela capa. Era uma capa singela, despretensiosa: tinha um barquinho encima de uma onda e o autor era Luíz de Camões, presumi que fosse um autor qualquer, desses que são nossos vizinhos. Olhei o livro e a curiosidade me levou a abri-lo.
- Com certeza deve ser uma história de piratas – pensei eu.
Comecei a ler e não entendi bulhufas: lusitana? Taprobana? Troiano? Alexandro? Trajano? Netuno? Marte? Alevanta?
- De que diabo esse infeliz está falando? – pensei.
Fechei o livro e nunca mais o abri. Mal sabia que em minhas mãos haviam passado uma epopéia do homem moderno; o barquinho era uma caravela portuguesa e Camões o maior poeta épico e lírico de Portugal. Na época li I: 1-3 (canto I, estrofes um, dois e três), foi o bastante. Após isso empreendi uma fuga assaz de livros, principalmente desses com capas simplórias.
Retornei aos livros de literatura graças à Aridna Barth e ao Eliézer Magalhães e essa estante arqueada de livros agradece o incentivo.
Comprei dias atrás o mesmo livro num sebo de Curitiba; digo o mesmo porque é idêntico: tem aquele barquinho encima de uma onda. O livro é da Série Bom Livro - para mim a melhor série de livros de literatura. Aprendi que não se deve julgar o livro pela capa, mas bom mesmo é conteúdo com capa bem ilustrada, pois a concepção de livro deve apresentar três linguagens em diálogo – texto literário, imagem e projeto gráfico (principalmente para as crianças). No caso de Os Lusíadas a ilustração é de Lúcia Brandão. Em minha opinião as mais belas ilustrações são as do livro Esaú e Jacó de Bilau e O Missionário de Marcus de Sant’Anna. Essa série também disponibiliza os comentários de críticos literários, o livro Os Lusíadas têm as críticas literárias e o apanhado histórico sobre Camões de Carlos Felipe Moisés, que faz um resumo histórico do escritor Camilo Castelo Branco nos livros Amor de Perdição e Amor de Salvação. Esses dois últimos livros recebem críticas literárias de duas professoras da USP: Samira Youssef Campedelli (Amor de Perdição) e Maria Helena Nery Garcez (Amor de Salvação). Enfim, para que não se perca muito tempo nisso em outro momento eu comento algum outro livro. Coloco abaixo o I:1-3 onde parei em 1998. Acima as capas ilustradas.
1
As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca dantes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
2
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
3
Cessem do sábio Grego e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta.