Viviane 06/02/2023
Um pesadelo (ir)realístico.
Não é a primeira vez que li ?O Processo?, mas dessa vez, senti que foi muito mais impactante do que na primeira. Em ambas as vezes, no entanto, chego à última página com a sensação de que há mais coisas nas entrelinhas do que fui capaz de captar, muito possivelmente pela forma abrupta e descontinuada com que se encerram os capítulos.
Entre as diversas interpretações que se pode fazer do enredo, possivelmente a principal e mais crítica consiste no excesso de burocracia do nosso Sistema Judiciário (Na manhã de seu 30? aniversário, Josef K. descobre que está detido e sendo processado por alguma razão que ele desconhece e que ninguém ao longo do trâmite consegue, ou quer, lhe explicar). Foi esse o viés que me chamou a atenção da primeira vez que li.
Dessa segunda, me chamou atenção a incômoda relação de K. com as mulheres do livro e a própria forma como elas são retratadas, quase sempre prostituídas ou violadas.
De toda sorte, não há como ignorar a correlação acachapante com um sistema feito para a opressão, em que a lei é anti-isonômica e assume uma forma diferente para cada um, tornando-se inacessível, na medida em que não se permite conhecer por aquele a que se destina e impede que a Justiça se realize.
A meu ver, todavia, todo o tempo a Justiça esteve ali, rondando os tribunais e todos os envolvidos no processo, assim como ao próprio K., mas sempre foi subestimada e ignorada. A meu ver, se encontra personificada nas mulheres retratadas no livro, sempre relegadas a uma posição subalterna e instrumentalizada, ignoradas, manuseadas e violadas, ao passo que a atenção de K. sempre está voltada a outros lugares e pessoas, que não conseguem ajudá-lo efetivamente.
A obra é genial, mas não espere uma leitura fácil. Ao contrário? em cada página o leitor se vê envolvido numa aura de agonia claustrofóbica e labiríntica. A profusão com que os fatos se sucedem, de forma até irrealista, nos lembra a dinâmica de sonhos, embora que a atmosfera opressiva construída a cada palavra cria no leitor a impressão de se encontrar no centro de um pesadelo.
Com certeza vale muito a leitura. Mas esteja preparado para relê-lo muitas vezes ao longo da vida, porque cada vez será diferente, com certeza.