spoiler visualizarPhen0 16/02/2024
Ok? Definitivamente esse foi o livro mais difícil do Franz Kafka que eu li, até o momento. A razão disso pode ter sido por causa do fato de que o livro nunca foi finalizado, e é perceptível a diferença dele pros outros livros: Os demais livros possuíam uma narrativa que focava apenas em uma única metáfora ou simbolismo, já ?O processo? parece que não consegue colocar em harmonia a metáfora e coloca um trilhão de detalhes, cada qual com seu próprio significado, fazendo com que o entendimento do livro seja muito mais demorado e complexo. Nem por isso o livro deixa de ser bom, mas quebrou muito a minha cabeça pra pensar sobre ele. Se você deseja um resumo, o livro é político. Se você deseja detalhes, aqui o que entendi dele:
Parte 1: A acusação
No momento em que ele é acusado, K. diz não se lembrar de ter feito nada que o faça ser culpado, e diz ser inocente. No entanto, ele também não conhece a lei. E com isso, o processo nunca nos é explicado, ninguém sabe pelo quê ele está sendo processado. O que nos faz seguir para a seguinte frase, dita por um dos guardas:
?Veja só, Willem, ele admite que não conhece a lei e, ao mesmo tempo, afirma ser inocente.? (Página 27)
Com isso, criei 2 teorias: A primeira, que faria uma alusão ao sistema judiciário atual ? Não ensinam as leis nas escolas, e a coisa que mais é vista são impostos completamente aleatórios, do qual nem sabíamos que existiam (porque desconhecemos a lei), e que são cobrados apenas quando estamos com uma dívida altíssima. Eles (justiça) inventam leis e impostos para fazerem com que a população não saiba deles e no fim se lasquem, sempre tendo que dever ao governo, sempre tendo que ser escravo dele, e sempre tendo que dar dinheiro não só ao Estado, mas também aos advogados e todos os demais que se envolvam no processo burocrático.
A segunda teoria seria de que, como K. não sabe pelo quê ele foi culpado, talvez não seja algo de fato criminoso, e sim uma coisa que é normal, mas vista como criminosa por conservadores (veremos mais tarde que o tribunal é completo desses). Um exemplo disso: o apoio aos LGBTs. Isso não é um crime, mas na visão de alguns conservadores, é. Ademais: posteriormente veremos que K. assume o papel de um revolucionário, e isso pode ser outra coisa que o faça ser culpado, embora não seja um crime.
Teoria extra: ?K.? pode ser a abreviação de ?Kafka?, fazendo referência ao autor. Se você ler a biografia dele, saberá que Kafka criticava muito o governo austríaco-húngaro. Então isso já explica muito...
Parte 2: O caminho até o tribunal
Considero que essa também seja uma parte bem simbólica. K. não consegue encontrar direito o local, mas ele vai subindo num lugar que parece uma escada caracol, rodeada de casas de pessoas aleatórias, até chegar no topo da escada, que é onde se localiza o tribunal (Páginas 69 a 74). Cenas mais tarde, ele procura o cartório, na qual é localizado em um beco perto dessas casas. Também posteriormente, é mencionado que ?todas as pessoas fazem parte do governo?. Para mim, está mais que claro que esse simbolismo é para falar da democracia, que os órgãos da justiça estão entre casas comuns do povo, porque os dois fazem parte um do outro. No entanto, ao mesmo tempo que a democracia é um conceito do povo, é mostrado que a justiça se afasta dele, o que explica pq o tribunal é encontrado no topo da escada, como se fosse algo de difícil acesso, e perto dos céus.
Parte 3: O tribunal
A cena do tribunal é interessante. K. faz um discurso quase que revolucionário ali na frente de todos, um discurso que critica a justiça e fala que ?não se importa com o processo com ele mesmo, mas que esse processo seja realizado com tantos outros iguais. [?] Iam pegar um pintor tão inocente quanto eu, mas como ele não estava, eu quem sofri as consequências? (Páginas 81 e 82). O detalhamento das pessoas presentes no tribunal é interessante também: É dito que os que ocupam as primeiras fileiras são idosos (ou seja, dá a entender que a política de um país é sempre do ponto de vista de uma pessoa mais conservadora), e que a fileira da direita é uma fileira mais ?bagunçada, sem noção e debochada, que não presta atenção na situação? e a fileira da esquerda é mais ?quieta, observadora, que não ri nem nos momentos mais ridículos ditos no discurso? (Página 78). Não sei vocês, mas isso me pareceu um pouco ideológico, falando sobre os públicos de direita e esquerda? Não, acredito fielmente que tenha sido ideológico, e não coisa da minha cabeça, pois na página 76 ele menciona as palavras ?partidos? e ?socialista? (embora ele tenha riscado a palavra socialista depois). Bem, ainda na parte do tribunal, temos a cena que a mulher de algum funcionário entra no meio do tribunal e começa a se beijar com outro funcionário: Nessa hora, acredito que Franz Kafka queria passar o simbolismo de que a justiça é uma verdadeira palhaçada, em que não há o menor respeito em um processo tão importante. Por fim, K. observa que todos ali são ?fantoches? que obedecem a um superior (juíz), aplaudem e vaiam quando são mandados. Isto é, o moral não é decidido pelas próprias cabeças pensantes, mas sim por quem manda.
Parte 4: A punição
No discurso do tribunal, K. faz questão de dizer que a culpa dessa justiça falha são de diversos funcionários, em um todo. Ou seja, todos que fazem parte da justiça são cúmplices, e todos são culpados, por consequência. Ele dá o exemplo dos guardas que o apreenderam dentro de sua casa. E com isso, os superiores decidem punir somente os guardas, para que ?a situação de culpabilidade de encerre, uma vez que encontramos ?o culpado? da história?. K. obviamente desgosta da situação, porque ele não colocou os guardas como os únicos culpados. Entretanto, a punição dos guardas também é metafórica, pois eles são da mais baixa patente e por isso são os únicos punidos, isto é, ninguém da mais alta patente será punido. Conseguem me entender?
Enfim, nesse momento K. também fala coisas revolucionárias, pois ele percebe que o discurso dele só teve isso como resultado e que ele precisará adentrar mais esse mundo para conseguir a justiça que quer.
Parte 5: O cartório
Tentando adentrar esse mundo, ele busca ficar mais informado de tudo e procura o cartório. Lá, é descrito que a atmosfera do local o deixa zonzo, e que quanto mais ele adentra, mais tonto e mal ele sente que vai estar. Talvez, isso seja uma alusão ao fato de que, muitas pessoas, quando vão ir aos cartórios tentarem resolver seus problemas, entram com esperança de que vão resolvê-los, e saem com o desespero de que não vão. A atmosfera é pesada, cheia de problemas. Entretanto, as pessoas dificilmente saem de lá de fato, pois apesar do seu desespero, elas ainda tem um pingo de esperança e não desistem. ?Primeiro ele quer ir embora, mas depois você pode dizer cem vezes que a saída é aqui, e ele não se mexe? (Página 125). Os dois funcionários que ajudam K. a se movimentar são movidos, uma pela humanismo, e o outro, pela desilusão. A que é movida pelo humanismo menciona que ela não pode ir para a porta de saída, pois o ar de fora não se adepta ao ar de dentro, da qual ela já está acostumada (na minha cabeça, isso quer dizer que ela, apesar de ser humanista, também já não consegue ter a mesma esperança que os que vivem fora do cartório tem). ?Talvez nenhum de nós tenha o coração duro, talvez todos queiramos ajudar com prazer, mas como funcionários do tribunal passamos facilmente a impressão de que temos o coração duro e não queremos ajudar ninguém. Eu sofro muito com isso?.
Parte 6: O advogado
K. não liga muito para seu processo durante boa parte do livro, já que ele parece seguir o tipo de lógica de ?quem não deve não teme?. Porém ele começa a se importar quando sua família tem conhecimento do assunto. Até o momento, K. tratava o processo como algo de revolução, uma coisa que envolvia outras pessoas, que estava afastado dele, apesar de envolver ele. Quando seu tio começa a se inteirar do caso, é como se o processo finalmente passasse a se tratar dele, porque invadiu o seu íntimo (família). Contratando um advogado que parece não ajudar em nada? E em sua casa tem um quadro de um juíz, se colocando em um trono como um monarca, com sua mão esquerda apoiando sua cabeça, analisando a situação, e sua mão esquerda pronta para se levantar a qualquer momento e tomar o impulso de dar o veredicto final. Novamente Kafka aborda uma questão ideológica de direita e esquerda, além de dizer que o próprio juíz está dividido entre as duas ideologias.
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Enfim, essas foram minhas observações. Suponho que tenham muito mais a serem feitas, mas essas foram as que eu consegui me lembrar e as que eu acho mais importantes no momento. Pretendo reler de novo para entender tudo que não entendi? Mas não agora, porque quebrei minha cabeça com esse livro e estou cansada. O próprio livro é um processo dentro do processo?