Ivonete 06/05/2023
O Processo - Franz Kafka
Alguém deve ter caluniado Josef K., pois um dia ele foi acusado sem ter feito nada de mau. Assim começa o livro O Processo, e essa será toda a explicação que você terá sobre a acusação de Josef K.
Na manhã de seu aniversário, K. é detido por um crime que não sabe qual é, e que se diz inocente.
No começo, ele está confiante de que tudo foi um mal entendido, que logo se resolverá sem muito esforço de sua parte. Mas, de forma completamente onírica, ele se vê envolvido num emaranhado jurídico confuso e sem sentido algum, de forma que o processo toma conta de sua vida, atrapalha seu trabalho, vida familiar e pessoal. Está presente de forma absurda nos lugares mais inusitados, e parece que todos que cruzam o caminho de K. estão de alguma forma envolvidos com o tribunal.
Não sabemos qual é o processo. O como não importa, mas sim as consequências a partir do fato.
O estranhamento se dá logo no início do texto. K se vê invadido em sua privacidade, em seu quarto de dormir, onde uma vizinha fica observando da janela tudo o que acontece, sem nenhum constrangimento ou necessidade de disfarçar sua curiosidade e bisbilhotice. Da mesma forma, os guardas entram no quarto de K e até tomam seu café da manhã, de forma totalmente invasiva e desrespeitosa.
Durante a leitura, senti que o processo e o tribunal acabaram tomando uma proporção quase religiosa. Inacessível e incompreensível, a lei está acima de tudo. Muitos não sabem do que se trata, apenas cumprem as ordens. O Tribunal parece um deus impiedoso, a suprema justiça para julgar e condenar. É atraido pela culpa, e nunca está errado.
"Nossas autoridades não buscam a culpa na população, mas, segundo o que consta na lei, são atraidas pela culpa e têm de enviar a nós, os guardas. Essa é a lei." - diz o Guarda Franz, no início do livro.
"O senhor está mesmo detido, mas não como um ladrão é detido. Quando alguém é preso como um ladrão, é ruim, mas essa forma de detenção...parece-me algo elevado, o senhor me desculpe se digo alguma estupidez, mas me parece algo elevado, que não entendo, mas que também não se tem de compreender." - sra. Grubach, dona da pensão que K mora, em conversa com ele após sua detenção.
Ambientes sufocantes, nebulosos, abafados e enevoados, de difícil acesso, troca de ambientes de forma surrealista, sendo frequente o uso da palavra perturbador. Parece que K está preso num mundo de sonho e pesadelo, onde o incomum é a regra base.
Um homem esmagado por um poder superior, que no início ele até tenta lutar, confiante da vitória, mas no fim é vencido e esmagado por esse poder.
E o que é atemporal neste livro?
Por mais que a gente sinta o absurdo do processo de K, ao mesmo tempo nos identificamos com ele. Todo mundo já passou por alguma situação, na esfera pública ou até mesmo no trabalho (o bendito RH por exemplo), em que tenta resolver alguma coisa e se depara com burocracias absurdas, que nos deixam indignados e impotentes.
Nós somos Joseph K diariamente, quando não entendemos os descontos na nossa folha de pagamento, e as cobranças que vem nas nossas contas de água, luz e telefone. Nós sofremos a mesma calúnia de K quando devemos pagar impostos e contas que não sabemos de onde vem, e, se não pagamos, somos condenados. Nós somos obrigados a pagar por algo que não cometemos, uma dívida que não fizemos. Somos Josef K em todos os aspectos de nossa vida onde tentamos lutar por algo que não conhecemos direito, e que nos cansa e subjuga.
Ao fim, como K, reconhecemos nossa culpa de ser cidadão, e somos levados mecanicamente pela mão, a espera da sentença final - como um cão.