spoiler visualizarKel 23/05/2023
Minha Vida de Rata
Quis ler ?Minha Vida de Rata? assim que coloquei os olhos na capa. A arte expressionista do rosto da protagonista, através de pinceladas em tons de rosa e o azul dos olhos tem um quê de agressivo e expressivo ao mesmo tempo.
É como se o olhar da capa trouxesse a angústia e a solidão abraçadas pela menina ao longo do livro, achei muito válido esse vínculo com o livro de forma tão simples e tão adequada.
Aqui seguimos Violet Rue, uma coitada, sim arrisco dizer que ela é uma coitada, pois sua curiosidade infantil misturada ao amor por irmãos que ela acreditava serem pessoas dignas de admiração a condenam a uma vida solitária e de desamparo emocional.
Jerome Jr. e Lionel assassinam a sangue frio um garoto negro chamado Hadrian Johnson, a troco de nada, por pura crueldade, e escondem a tal arma do crime, um taco de baseball na quintal da casa. Violet Rue até então uma criança, ouve a conversa e torna-se uma testemunha.
Sem entender direito ela deixa escapar a culpabilidade de seus irmãos. Lionel, o descrito como mais nervoso, a empurra da escada a fazendo bater a cabeça e dessa vez ela, abobalhada com a ação inesperada, ela abre a boca mais uma vez, sem distinguir direito a gravidade da informação e desta vez chega aos ouvidos das autoridades.
A partir daí, com a investigação tomando conta e a culpa de seus irmãos vindo à tona, a família se vira contra ela.
O pai já não era muito carinhoso e a mãe, em um acesso de fúria ridiculamente narrado, onde ela se sente humilhada por pessoas ricas sendo que essas não apresentam nenhuma responsabilidade pelo fato de ela ter acabado em uma vida financeiramente pobre, e proíbe Violet de manter contato com sua única genuína amiga.
Se só isso já não a fizesse carregar uma infância traumática, os futuros acontecimentos só vem a piorar sua situação, ele é abandonada pela família, aqui faço um adendo a que a mãe é tão escrava do pai, seja por amor, por aprovação, por medo, por se sentir inferior e não saber como sair da situação, por sentir orgulho de ter dado filhos aos marido e ao mesmo tempo se sentir cansada em criá-los como se fossem agentes paralisantes de sua felicidade há tempos já enterrada. Personagem repugnante, o tipo que é oprimido e quer oprimir também. Essa personagem horrorosa, simplesmente dá as costas a sua filha, já fragilizada, já vítima da violência do irmão, e que nada fez de errado.
Aqui desce mais ainda o nível do caráter da mãe, uma vez que ela prefere abandonar a menina e rotulá-la como dedo duro dos irmãos (a tal ?rata?do título que faz ?coisa errada? e depois é obrigada a se esconder), pois o ideal da família era encobrir o crime e evitar a todo custo que os dois assassinos fossem presos, um absurdo total.
Aqui achei até bom ela ter sido afastada dessa família. Do abrigo ela vai ficar com uma tia que, apesar de ser uma pessoa boa não tem feeling nenhum sobre cuidar da menina, tem medo de conversar e colocar o dedo na ferida, também não procura ser amiga da menina por outro lado, trazê-la mais para perto, permite seu afastamento, permite sua tristeza, e até certo ponto compactua com a opção da mãe em não querer ter notícias de Violet.
Nesta casa,a menina cresce até ter idade para se tornar alvo de abuso. Primeiramente de um professor porco, nojento que a leva para sua casa e a dopa e posteriormente pelo próprio marido porco e nojento da tia. Essas passagens do livro de revirar o estômago servem para dizer o quanto ela não tinha ninguém por ela tanto que se tornou alvo fácil desses predadores.
Ela não conseguia se defender porque ela mesmo se achava uma ?rata?, desenvolveu uma culpabilidade sobre si mesma tão grande que achava merecer as coisas que lhe aconteciam.
Com a investida do tio, ela encontra sua chance de sair da casa da tia e se libertar para o mundo, afinal já era sozinha, pelo menos longe dos abusadores, estaria bem. Só que devido a seu histórico de abandono, ela cai novamente nas mãos de um outro abusador camuflado de amor. Fora isso ela é obrigada a viver com medo das possíveis formas de soltura dos irmãos e suas possíveis vinganças. Um deles morre na cadeia, porém o pior resiste.
Ainda assim ela é honesta, trabalha, e um das passagens que ache mais digna, mais bonita desse livro é o fato de ela mandar todos os anos um cartão com dinheiro para o mãe de Hadrian Jonhson, o garoto negro asssassinado por seus irmãos. Nos anos em que a vida melhora financeiramente e ela é capaz de aumentar a quantia enviada, ver sua alegria com isso é algo maravilhoso, pois afinal não era só culpa que ela sentia, pelo estrago que sua família fez a outra, mas também é compaixão, vontade de reparar um mínimo que fosse, ela não tinha amor e ainda assim queria enviar um pouco de amor a outra pessoa que ela sabia estar sofrendo uma perda irreparável, atitude admirável da personagem.
Ao final ela se reencontra com sua mãe, que já não possui suas faculdades mentais em dia e com o irmão Lionel que afinal saiu da prisão. E os acolhe, tem amor por eles, quer estar junto deles, ainda não decidi se tenho pena ou admiração, afinal que merecimento de consideração essas pessoas guardam?
O bom dessa personagem, a Violet, é que mesmo que demore, ela consegue se libertar de uma forma ou de outra, mesmo sofrendo muito, ela ainda encontra forças para perceber que a situação que se encontra está errada, e apesar do abandono, ela tem amor pela família, seja a irmã que foi seu único laço de notícias dos demais, seja a mãe que ela trata com o maior carinho mesmo este personagem sombrio e horrível nem a reconhecer mais e o próprio irmão, que ela pensa em cuidar e vê-lo como digno de perdão. Mas Lionel não pensa assim.
Achei o livro ótimo de se ler, em algumas partes angustiantes, a sensação que temos é que ela está com a vida perdida, que o dano psicológico é alto demais, porém a autora coloca fagulhas de esperança e melhora de vida em algumas partes, inclusive no final, que mesmo tímido foi merecido para uma personagem tão sofrida, livro incrível!