brumafilia 21/10/2020
Tão íntimo quanto um afago de avó pode ser
Poemas são mais difíceis de analisar, pois, acredito, e eu sendo uma mulher que se transborda em versos, eles não foram feitos para ninguém além de seu criador. Poemas vêm de um lugar tão profundo, tão sincero, tão subjetivo, que julgar as palavras em que se fizeram ? pois poesias são, antes de mais nada, sentimentos ? seria como julgar uma flor por ter brotado camélia, em vez de girassol. Sou incapaz, portanto, de me sentir no direito de julgar tais versos em si mesmos, mas posso dizer como eles foram sentidos em mim.
Blue é honesta como um céu sem nuvens, aberta como os oceanos em seus meios parecem ser. A autora se derrama em versos tão certeiros que sua poesia se torna um rio de flechas apontadas para nós, seus leitores-mar. Vi-me, por vezes, tão exposta que uma foto não teria sido mais reveladora, que minha assinatura não teria me deixado tão à mostra. E isso, creio, é a capacidade de alguém que, apesar de se ver enquanto nuvem, como um verso mesmo mostrou, brilha como o sol em todas as manhãs. Não importa que o teto do mundo esteja nublado, que uma tempestade atormente um vilarejo ribeirinho, o brilho sempre está lá, em algum lugar. E agora está aqui, nesta antologia de poemas que é tão doce quanto um afago de avó pode ser ? e, agora eu sei, que um dia foi para você.
Apesar de ser uma coleção de poemas, Blue conseguiu criar um enredo quase que narrativo. Eu vi personagens (um pai perfeccionista, um irmão "modelo", uma avó desistente, um afeto perdido), assim como vi espaços (um ônibus lotado, um metrô que seria o espaço para alguém que não veio, uma casa de tijolos que dá o relance de como todos um dia foram). Vemos uma personagem central que, por estar sendo constantemente ferida, se vê, talvez, como uma casa desgastada. Uma personagem que constrói para si (e em si) uma torre, em que ela mesma se torna a sua morada.
Uma torre, quem sabe, que se propõe a manter inalcançável alguém que foi e é tão fortemente pisada?
Você merece, Blue, cada tijolo dessa torre. Merece o mármore da sacada, o mogno de suas partes, as artes na parede. Merece a música que cantará por ela, o jardim que crescerá em sua base, a vista vasta e linda que sempre terá em sua janela. Merece toda a altura que conseguir atingir, não só como pessoa, mas como autora.
E eu estarei aqui, prometo, acompanhando-a ascender ao topo.