Carol 16/02/2021Impressões da CarolLido: O Golem {1915}
Autor: Gustav Meyrink {Áustria, 1868-1932}
Tradução: Petê Rissatti
Editora: Carambaia
304p.
"No princípio era o Verbo" e da palavra, fez-se a criação. O mito da origem do homem atravessa diversas cosmogonias. Em Gênesis 2:7, Adão foi criado a partir do pó da terra; no Tratado Sanhedrin 38b, um texto talmúdico, ele foi moldado do barro, o Golem, como embrião do homem.
Gustav Meyrink afasta-se dos textos religiosos e se inspira numa lenda popular. No século XIII, em Praga, um rabino, para defender a população judia de ataques antissemitas, insere um pergaminho mágico entre os dentes de um ser de barro, concedendo-lhe a vida. A palavra hebraica escrita era Emeth (verdade), que sem o E, vira Meth (morto).
O Golem é o pano de fundo da narrativa, é a crença compartilhada pelos personagens de que a cada 33 anos, esse ser amorfo retornaria à Praga, incitando eventos abstrusos, nos quais a racionalidade não seria suficiente para explicá-los.
A narração é dúbia, onírica, pois o narrador é o ourives Athanasius Pernath (ou seria um alter ego?, ou alguém que esteja sonhando?, ou vivendo a vida de Pernanth?, um duplo?), que teve parte de sua memória apagada como resultado de uma hipnose.
Na tentativa de reconstruir sua identidade e sua memória, Pernath vê-se envolvido numa trama mística, em busca do conhecimento de si, orientado pelo arquivista Schemajah Hillel e sua filha Mirjan. Ao mesmo tempo em que se vê envolvido numa trama vingativa, armada pelo estudante de medicina Charousek contra o adeleiro Wassertrum.
A construção narrariva é estupenda, o livro fisga o leitor, logo de cara. Você fica perdido querendo entender que cargas d'água está acontecendo (a própria Nazaré Tedesco, do meme) e, depois, quando você liga "lé com cré", a maravilha acontece.
Isso porque nem me aprofundei na trama mística (uma mistura de Talmude com o Egito). Muito menos, do Golem. O uso que Gustav Meyrink faz da lenda o coloca no pedestal literário junto com Kafka, Lovecraft e, por que não, Dostoiévski.
Bizarro e intrigante, um romance com diversas chaves de leitura possíveis. Um clássico, de fato. Indico com força!
"Naquele momento, surgiu em mim uma suspeita sinistra: e se, no fim das contas, nós, seres vivos, fôssemos semelhantes àqueles pedaços de papel? Se talvez um 'vento' invisível, intangível, não estivesse nos levando para lá e para cá e do mesmo modo determinasse nossas ações, enquanto acreditamos, em nossa ingenuidade, estarmos em pé por vontade própria?" p. 45