Andreia Santana 15/10/2011
Mil faces de Alice
Alice no País das Maravilhas talvez seja uma das histórias infantis mais queridas pelos adultos. Primeiro porque existe encanto e beleza e um certo toque de magia e absurdo, como em toda história infantil inteligente; depois, porque as mensagens subliminares escondidas em cada episódio, cada aventura vivida pela menina que cai na toca de um coelho e vai esbarrar em outro mundo, onde nada parece fazer sentido, dá margem às interpretações mais diversas.
Têm pesquisadores que até duvidam que Alice no País das Maravilhas tenha sido escrito para crianças. À luz da psicanálise, o jogo de espelhos, a loucura do chapeleiro, as obsessões da rainha de copas, o esconde-esconde com o gato, as variações de tamanho da personagem (ora minúscula e insignificante, ora gigantesca, desproporcional, sempre inadequada) dizem muito mais para um adulto do que para uma criança. Embora, originalmente, a história tenha sido escrita para uma menina de dez anos. No entanto, uma criança do século XIX. Alice e, por tabela, Lewis Carrol, seu criador, são enigmas que se reconfiguram e não perdem a juventude, o ineditismo, a surpresa, mesmo mais de século e meio depois da primeira publicação do livro na Inglaterra da época vitoriana, em 1865.
Considerada uma das obras mais importantes da literatura inglesa, Alice no País das Maravilhas é a história infanto-juvenil que mais coleciona adaptações para o cinema, seriados de televisão, teatro, quadrinhos ou que inspira outras obras do gênero. Dois escritores saídos do universo HQ, contemporâneos, já declararam sofrer influência do estilo surrealista e nonsense de Lewis Carrol: Neil Gaiman (criador da saga de Sandman) e Allan Moore (A Liga Extraordinária). Basta assistir Máscara da Ilusão ou ler Lugar Nenhum, para se ter uma ideia do quanto Alice no País das Maravilhas e sua continuação Alice através do espelho, influenciam a obra de Gaiman. Encontro ainda traços de Alice em Charlie e a fantástica fábrica de chocolates, de Roald Dahl e na obra de Terry Pratchett, ainda citando escritores do século XX.
As edições da história de Lewis Carrol são igualmente inesgotáveis. Das comentadas, luxuosas, integrais, às simplificadas para os menorzinhos, sempre existe uma alice adequada ao senso crítico ou idade do leitor. É uma história que, quando lida na infância, é interpretada de um jeito e quando lida na idade adulta, ganha outros significados.
As meninas da minha geração e creio que outras antes de nós, quando eram pequenas, queriam viver as aventuras da pequena Alice, apenas pelo gosto de conhecer o exótico, o diferente, transgredir, embora na infância não tenhamos nem consciência do que é uma transgressão. Só sabemos que, no nosso mundo lúdico, sempre há lugar para as coisas aparentemente sem sentido, mas recheadas de significados. Mal sabíamos nós que, ao crescer, encontraríamos em vários rostos pela vida afora, diversas versões da rainha de copas, do gato de cheshire e do chapeleiro louco.
De certa forma, toda menina traz dentro de si, mesmo quando mais velha, um pouco de Alice, seja no país das maravilhas ou de um dos dois lados do espelho.