Murillo Bertolini 07/04/2023
Ótimo material, que merecia mais páginas para aproveitar ainda mais do que tinha a oferecer
O quadrinho "Guarani, a Terra sem Mal", deveria ser lido por todos os brasileiros e latinos que minimamente se interessam por história, cultura latina, raízes ou tradições. A obra retrata de maneira muito bem embasada diversos aspectos culturais e históricos do período retratado, tal como vestimentas, imigrações vindas da Europa, povos nativos, disputas entre tribos, e o principal deles, a Guerra do Paraguai.
Por ter como principal pano de fundo histórico a Batalha de Acosta Ñu, onde milhares de crianças indígenas foram postas para guerrear contra soldados em números quase 10 vezes maiores, espera-se que a obra seja pesada, impactante e triste por mostrar os horrores da guerra, correndo o risco de cair na armadilha e entrar em terrenos perigosos, onde a sutileza se perderia. No entanto, Guarani toma outro rumo.
A história contada a partir do ponto de visto de um fotógrafo francês em busca de "registros antropológicos" traz uma identificação muito grande ao leitor com o personagem que desconhece totalmente a guerra e tampouco está interessado nela, o que faz com que seu interesse crescente pelo conflito, bem como as surpresas e choques com o horror, sejam um ótimo espelho para quem está lendo. O quadrinho consegue passar por diversos assuntos interessantes, como cultura nativa, disputas políticas da Guerra (apresentando pontos plausíveis de ambos os lados) e a morte de milhares de inocentes de uma maneira suave, sem apelas para o visual, mas ainda sim com o peso e a tristeza que os momentos carregam. No final, Guarani é uma ótima retratação de um período histórico importante da história do continente, mostrando momentos de horror de maneira suave, mas não menos impactante, de modo que pode - e deveria - ser usado como material didático.
O ponto negativo fica para a introdução, que apesar de muito bem escrita e situar o leitor no contexto histórico no qual a obra está inserida, traz uma confusão de datas de quando se passa o confronto retratado, podendo levar à leitores mais atentos a se confundir e poder acreditar que a história se passa no futuro dos acontecimentos narrados (foi o meu caso). Além disso, por trazer temas tão ricos com detalhes interessantes de maneira tão bem embasada, fica-se com a sensação de que a história poderia se aprofundar mais nos conflitos, personagens e disputas. O autor opta por ficar um pouco mais na superficialidade, pincelando de maneira interessante vários temas que retratam de uma ótima maneira o cenário de guerra da América Latina no final do século XIX.