Roseane 15/05/2020
Intolerância Religiosa
O apagamento do valor civilizatório dos povos africanos no Brasil por certo é uma investida antiga. A religião é uma de suas tecnologias.
O medo por vezes impede que adeptos não assumam publicamente o seu culto a tradição de matriz africana.
As agressões são direcionada a seus corpos através de pedrada em via pública, de sua cidadania na descriminação no local de trabalho, no abalo de sua honra ao serem acusados de fazedores do mal, do espaço sagrado com destruição das instalações do terreiro.
Para o agressor, um pedido de desculpas lhe é legitimado.
O psiquiatra Nina Rodrigues com seu racismo científico alegava que o negro era de uma raça diferente, inferior, não propenso a civilização e com desvio de conduta tendendo a criminalidade. Abdias do Nascimento nos lembra que esse médico deu o ponto inicial do estudo psiquiátrico classificador do êxtase místico ao nível da histeria ou manifestação patológica.
As casas de culto de matriz africana necessitavam de registro policial para funcionar. Os terreiros se localizavam em áreas remotas e mesmo assim eram vítimas de operações policiais que aproveitavam para saquear o espaço sagrado retendo esculturas rituais, objetos do culto, vestimentas litúrgicas, assim como eram encarcerados sacerdotes, sacerdotisas e praticantes do culto.
A discriminação e a perseguição por motivos religiosos são marcas históricas de uma humanidade perversa e racista. O autor traz Fanon para nos lembrar, que o racismo e a racialização são expoentes das relações capitalistas.
Na inquisição católica o lema era combate a heresia, mas o confisco dos bens do pecador se tornou uma atividade altamente rentável.
A fé é uma escusa para por em pratica um projeto de poder. A tolerância assim como o mito da democracia racial são estratégias sufocadoras de debates que merecem mais destaques pois ninguém fica confortável na posição de suportado. Como bem disso o autor, quem tolera não respeita, não quer compreender, não quer conhecer.
O europeu em seu etnocentrismo e colonialismo não reconhece e condena tudo que é do outro. Hierarquiza, classifica, oculta, segrega, silencia e apaga o que oferece perigo à manutenção do seu local social de dominador ou algo que ameace seus privilégios.
Na perspectiva “desde dentro para desde fora” Babalorixás como Pai Nildo de Oxaguian, Daniel de Oxaguian, a iyalode Marisa de Oyá e Mãe Nadia de Ominodõ de Ologunedé que são intelectuais orgânicos, trazem no livro suas experiências e visão de mundo em torno do racismo e intolerância religiosa.
Seus relatos não são de observadores externos sem o conhecimento cultural do sistema simbólico da religião, mas de lideranças que mantém em curso o processo civilizatório herdado dos antepassados africanos.
O pavor da alteridade criou inimigo e/ou bode expiatório: “Além de preto é macumbeiro”.
Essa dupla opressão coincide em culpar os que decidem seguir os saberes cosmológicos africanos. Como alternativa para a “liberdade e a verdade” há os pseudo-heróis salvadores como a igreja universal do reino de Deus e antes deles no período colonial o escravizado tinha o batismo católico compulsório como uma conduta salvação já que “não tinham alma”.
A sacralização animal recebe destaque no livro. Respeitando o que pode ser compartilhado com quem não passou pelo processo iniciático. O rito é detalhado com seus signos bem explicados.
Em 28 de março de 2019 o STF decidiu por unanimidade, que é constitucional o sacrifício de animais em cultos religiosos. A batalha foi longa e árdua, mas não por falta de motivos sacro tão bem apresentados nesse livro e nem por medo dos opositores que tinham como prova fotos de animais mortos e jogados em estradas e viadutos que não tinham nenhuma relação com o Candomblé e demais religiões de matriz africana.
O medo era do racismo institucional já que a decisão final estava em poder de mãos brancas.
Uma pseudo ativista pelos direitos dos animais ficou magoada com a decisão do STF divulgou foto de filhotinho de cachorro insinuando que e eram um animal de sacrifício. A mentira e a tentativa de desqualificação dos saberes negros é uma estratégia que parece que não tem fim.
cristã fracassou ao optar por manter um sistema que vive da punição, tortura e do encarceramento.
Nos saberes africanos as escolhas são que definem o caminho. Não existe pecado, não há condenação de orientação sexual ou identidade de gênero, a religião é em pro de um crescimento pessoal. Tudo é sagrado, exceto o mau-caratismo.
O autor encerra o livro nos dando uma rica visão de mundo pela perspectiva africana:
A episteme preta não é excludente, não quer dizimar o outro, não quer ou não precisa invalidar a alteridade para edificar a existência de sentidos novos, diversos e diferentes. Os deuses alheios não são falsos, demoníacos ou inexistentes.
O que não se agrega não precisa ser diminuído, nem suas potências espirituais precisam ser colocadas em dúvida ou até amaldiçoadas, assim como pastores e padres vêm fazendo em seus discursos, como único caminho para o convencimento dos mais vulneráveis à aceitação de uma fé única. A caminhada do outro é a caminhada do outro; ele e sua caminhada devem ser respeitados.
A liberdade de crença esta expressa no artigo 5º da constituição de 1988. O disque 100 é uma ferramenta de denúncia e deve ser divulgada.
Livro potente e necessário para pensarmos o dia de hoje. Não é sobre religião, mas sobre a existência. Professor Sidnei Nogueira foi muito feliz em abordar o tema de uma forma acadêmica e didática.