Queria Estar Lendo 19/07/2023
Resenha: Cartas de Maresi
O terceiro e último volume da série As Crônicas da Abadia Vermelha é uma despedida emotiva da protagonista que deu início a essa história. Em Cartas de Maresi (que a editora Morro Branco cedeu em cortesia), acompanhamos a jornada de Maresi longe da Abadia Vermelha, tentando conciliar quem era e quem é agora enquanto busca cumprir sua missão em seu vilarejo natal.
Maresi deixou a Abadia Vermelha com o intuito de voltar para casa, um vilarejo do qual pouco se lembra, e educar outras garotas como ela. Ao chegar lá, no entanto, Maresi encontra a mesma situação precária de antes. Fome, frio e condições pobres agravadas porque o governante da região encheu o povo de impostos e dívidas enormes.
Mas Maresi está com a sua família, agora. Estranhos familiares. Uma mãe que parece receosa em tê-la de volta, um pai amoroso e distante, irmãos que cresceram e não representam mais quem ela se lembra. E a esperança de cumprir sua missão: educar garotas como ela, fundar uma escola para ensiná-las a ler.
Cartas de Maresi é sequência direta do primeiro volume (sendo o segundo, Naondel, um prequel da origem da Abadia Vermelha) e, através de cartas escritas pela Maresi, conta para nós e para suas Irmãs na ilha o que tem sido a sua vida por ali.
O tom do livro, por acompanhar as cartas de Maresi, é bastante sucinto e organizado. Ela dedica diferentes relatos de acordo com as irmãs para quem está mandando as cartas; assuntos do coração vão para aquela que está ligada à Donzela (o lado da deusa conectado ao emocional), assuntos que pedem por conselhos, para a líder da Abadia.
"Estou tentando ser forte, Irmã O."
Por isso, temos diferentes pontos de vista dentro de um período de tempo em que Maresi tenta se adaptar e funcionar de acordo com o vilarejo. Por ter crescido na Abadia Vermelha, tudo ali é novo para ela. Seus pais a mandaram embora quando muito nova e, agora, precisa aprender a existir com a família e seus costumes novamente.
Precisa, acima de tudo, mostrar a que veio. Mas é difícil querer educar quem não entende a importância da leitura e do conhecimento. Um vilarejo remoto que sofre com impostos e se preocupa em sobreviver à fome e às colheitas fracas não precisa ler e escrever; pelo menos é o que eles pensam. E Maresi está ali para provar que é justamente o contrário. Que o conhecimento pode abrir portas, mentes e possibilidades.
Cartas de Maresi é muito sobre a sua protagonista e sua conexão com o legado que carrega. Tanto aquele que vem da Abadia Vermelha quanto o que corre em seu sangue, com o vilarejo, a mãe (principalmente) e quem Maresi realmente é. Uma filha? Uma professora? Uma aprendiza? Um pouco de tudo.
"Sou uma estranha, uma peculiaridade que podem, analisar e sobre quem podem refletir, mas que é completamente desconectada delas e das suas rotinas."
Gostei muito de como o livro tocou nas questões opressivas de maneira sensível. Diferente de Naondel, que me incomodou com o uso exagerado de violência sexual, aqui tudo é bem mais cuidadoso. Mulheres são sim subjugadas na história - não pelo povo do vilarejo, mas pelos soldados do governante - mas a situação toda é desenvolvida com o devido tom e a devida sensibilidade.
Maresi cresce muito na história. Uma personagem contida e amedrontada se mostra uma força da natureza em determinado ponto do livro. As cartas de Maresi passam de perdidas a determinadas. E a gente vê que sua missão está se concretizando conforme sua postura e tom amadurecem.
Os coadjuvantes ao redor dela em muito acrescentam na história, com destaque para a família e para Kárun. A família - principalmente sua mãe - são pilares na vida de Maresi. Ainda que estranhos, a princípio, se tornam tudo de familiar e importante para ela, como foram antes. Ela tem sua família na Abadia Vermelha, mas reencontra a outra ali naquele vilarejo. E faz de tudo para se sentir parte deles mais uma vez.
"- Conhecimento é proteção, Maresi."
Kárun foi uma surpresa muito bem-vinda. É um lenhador que surge de repente, aos poucos, e se torna um personagem fundamental para a história de Maresi. Aos poucos, os dois se aproximam e formam um laço emocional muito querido e gentil de acompanhar. Uma possibilidade de romance entremeada ao fato de eles se entenderem tão bem nas vivências tão diferentes que dividem.
Tem também o fato mágico, que aqui tem um destaque bem grande na protagonista e nos arredores. A maneira com que a magia funciona com Maresi - e com a Abadia Vermelha, com as faces da figura de poder que as rege - é muito interessante e diferente. Tá bastante conectada com o poder feminino, com a união e irmandade. Não é sobre uma pessoa, mas sobre o poder em conjunto.
A edição da Morro Branco tá linda demais. Eu amo os detalhes em dourado na capa, combinando com os dos livros anteriores. A tradução de Lilia Loman e Pasi Loman também tá excelente, com boas adaptações e texto fácil de acompanhar.
Cartas de Maresi é um ótimo encerramento para essa trilogia que trata de magia e força feminina com uma sutileza delicada. Maria Turtschaninoff me conquistou com a irmandade que apresentou, e com o poder que relegou a cada mulher que atravessou esses três livros.
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