Coruja 05/07/2021Adorei o que a Telfer fez em Lady Killers, de forma que, quando bati o olho nesse lançamento, não resisti a colocá-lo na lista (e passá-lo à frente de um monte de outros que estavam aqui na espera…). E valeu à pena, porque foi uma leitura divertida, daquelas que passa voando, você só percebe o número de páginas quando chegou ao final e não tem mais o que ler.
Não, sério. Eu cheguei ao final e fiquei “como assim já terminou?”
Embora aqui se mantenha a linha de falar sobre crimes reais, Mulheres Confiantes é mais leve que Lady Killers, já que não trata de assassinatos, mas de pequenos e grandes golpes, feitos com muita audácia e inteligência. Em alguns casos, é difícil não admirar a capacidade dessas carismáticas vigaristas - algo que Telfer sublinha como uma interessante reação a esse tipo de delito. Há, claro, exceções: enquanto algumas criminosas nos surpreendem com seu arrojo, outras nos causam repulsa por se aproveitar de pessoas e momentos de intensa vulnerabilidade.
Aliás, acho que diz muito sobre nós como sociedade essa atitude de admiração: em algumas das histórias aqui compiladas, há um espírito de revanchismo, de passar a perna no “establishment”; em outras, encontramos um certo quê de conto de fadas (inevitavelmente frustrado ao final) e, na maioria, a ideia de “queria ter a cara de pau para fazer isso”. É isso que nos faz olhar para essas figuras e chamá-las de “artistas” - é necessário ter muita imaginação e um espírito intrépido para elaborar alguns dos golpes com que nos encontramos nestas páginas.
Em perfis breves - mas não supérfluos -, somos apresentados a mulheres como Jeanne de Saint-Rémy (que tem um dedo de culpa na explosão do Terror durante a Revolução Francesa), Cassie Chadwick (que alegava ser filha ilegítima de Andrew Carnegie e fraudou vários bancos na base da conversa) e as irmãs Kate e Maggie Fox, que acidentalmente criaram uma nova religião ao tentar assustar a mãe demasiado crédula. Há sempre uma boa contextualização histórica e um dedinho na dramatização, mas sem perder de vista o caráter informativo da obra.
Uma amiga historiadora, que também leu, comentou comigo que não tinha gostado tanto por considerar que a autora tentava fazer o leitor gostar a todo custo das damas ora apresentadas. Discordo, porque há umas personagens bem antipáticas na lista e Telfer não se furta a trazer o que há de mais perverso em suas carreiras. O que ela faz, de fato, é humanizar essas personagens, comumente tão vilanificadas, sexualizadas, reduzidas a apenas uma caricatura de suas ações.
Talvez eu tivesse uma opinião diferente se não tivesse lido Lady Killers primeiro, e me impressionado com o esforço que a autora faz para apresentar os fatos de forma direta e, se não completamente imparcial (porque é difícil não haver julgamentos quando estamos tratando de crimes), ao menos trazendo todos os lados disponíveis da questão. Enfim, é uma questão de por qual ponto de vista você interpreta as coisas.
Em ambos os títulos, há uma exploração psicológica do caráter dessas mulheres que é fascinante, e acho que essa foi uma das principais razões de eu ter me deixado conquistar por eles. Na verdade, do ponto de vista de alguém que gosta de destrinchar e criar personagens, a obra de Telfer é um ótimo ponto de referência para construções mais complexas. Uma oficina literária de como criar vilãs. Fica a dica!
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https://owlsroof.blogspot.com/2021/07/mulheres-confiantes-golpes-trapacas-e.html