Larissagris 08/09/2024GLÓRIA DA MANHÃ (LAVYRLE SPENCER)Mas ele era bem educado demais para pedir. Na prisão, pedir significava ser escarnecido ou que o tratassem como um animal e o obrigassem a realizar atos hediondos, que fazia de um homem ser motivo de diversão para seus carcereiros. Pedir era colocar o poder nas mãos sádicas de quem já exercia poder o suficiente para desumanizar qualquer um que escolhesse desafiá-los.
Ele queria dizer a ela que estava bom, melhor do que bom, o melhor que ele se lembrava. Ele queria dizer a ela que não havia manteiga na prisão, o pão era duro e seco e, certamente, nunca quente. Ele queria dizer a ela que não se lembrava da última vez que ele tinha sido convidado a se sentar a uma mesa da cozinha de alguém. Ele queria dizer a ela o quanto significava para ele estar sentado na cozinha dela. Mas elogios eram tão estranhos para ele como potes de manteiga, de modo que ele comeu o pão e sopa em silêncio.
Como poderia um homem deixar as coisas irem à ruína desse jeito? Como poderia um homem ter a sorte de possuir coisas, tantas coisas, e se importar tão pouco sobre a condição delas?
Para Will Parker aquele primeiro par de semanas na casa de Eleanor Dinsmore foi o céu. O trabalho - por muitos tratado como um inferno - era um privilégio. Saber que ele poderia escolher o que queria fazer a cada dia era uma liberdade que ele valorizava. Ele poderia cortar madeira, remendar pisos da varanda, limpar celeiros ou lavar mulas. Qualquer coisa que ele escolhesse, ninguém diria: "rapaz, você deveria estar aqui?" ou: "rapaz, quem lhe disse para fazer isso?".
Ele não precisava saber as respostas para aceitar o fato de que ele não estava mais trabalhando apenas para ter um teto sobre sua cabeça, mas para agradá-la.
- Elly, você tem que aprender a não se preocupar com coisas que não são importantes. O que é importante é que você é uma boa pessoa por dentro.
Ele tinha uma família agora; sua vida, de repente, importava muito, quando nunca antes importou. Foi um choque para ele perceber isso.
Deus todo poderoso! Ele nunca teria imaginado como um par de beijos de boa noite podia fazer um homem se sentir tão querido e amado.
E assim, eles conversaram e se contemplaram durante as noites de convivência a luz da lamparina. A louca Eleanor e seu marido ex-presidiário aprendendo a terem respeito um pelo outro, querendo saber quando, e se o que buscavam poderia acontecer. Cada um hesitando para alcançar o que ambos necessitavam.
- Mas eu sou forte. E saudável. E, em se tratando disso, feliz também. Parece-me que isso é tão importante quanto qualquer outra coisa, não é? As pessoas felizes têm algo pelo que lutar.
Ele a beijou novamente. Levemente, suavemente, o roçar de uma asa de borboleta em cima de uma pétala, enquanto as pontas dos dedos dela roçavam o peito dele. E, finalmente, a solidão da vida de Will Parker parou de doer.
Se ele vivesse até os mil anos, ele nunca se cansaria da sensação das mãos dela em seus cabelos.
- Elly, ninguém jamais... [...]
- Ninguém jamais te amou antes? [...] - Bem, eu o amo.
- Eu te amo, Will Parker.
O aguilhão lhe bateu nas pálpebras e ele abaixou a cabeça, porque ninguém o havia preparado para aquilo, ninguém lhe havia dito que, quando isso acontecesse, ele seria ressuscitado. Tudo o que ele foi, não seria mais. Tudo o que ele não foi, seria agora.
Ele era terra seca, ela chuva fresca; ele, um copo vazio; ela, rico vinho. E, nesses momentos de proximidade, ela o preencheu; preencheu-o por toda a carência de sua vida de solitário, tornando-se, de uma só vez, todas as coisas de que ele precisava: mãe, pai, amiga, esposa e amante.
Fazendo uma pausa antes de abrir a porta do quarto, Will estudou o bebê que olhou para ele com olhos desfocados. Ela estava em silêncio, com os punhos fechados como botões de rosa, o cabelo fino como teias de aranha. Ele fechou os olhos e beijou sua testa. Ela cheirava melhor do que qualquer outra coisa no mundo. Melhor do que bacon. Melhor do que fazer pão. Melhor do que o ar fresco.
[...] o céu não tem nada em comparação a ser o marido de Eleanor Dinsmore.
Contemplar a mortalidade fazia um homem dizer coisas que, de outra forma, iria manter por dentro.
Leve-os e acostume-os à cidade, com as pessoas e a sobreviver. Porque isso é tudo o que a vida é, Elly - sobrevivência.
- Eu te amo, Elly. Mais do que um dia você possa saber. Ninguém nunca foi tão boa para mim como você é. Você tem sempre de se lembrar de uma coisa: o quão feliz você me fez. Quando eu não estiver aqui e você ficar triste, pense sobre o que eu lhe disse: o quão feliz você me fez, alimentado-me com tortas de marmelo, dando-me três bebês pequenos para amar e fazendo-me sentir como se eu fosse alguém especial. E lembre-se o quanto eu amo você, só você, a única em toda a minha vida, Eleanor Parker.
Dizer que o amor é como a sorte é muito parecido com relatar o piado de um pássaro. Você escuta e você o reconhece em si mesmo tão forte que você pensa, com certeza, que você pode repeti-lo para outra pessoa. Mas você não pode.