Ludmilla Silva 16/07/2023"A princess and a Dark Grace. Quite the pair."Amo quando autores conseguem reimaginar histórias clássicas de forma criativa e divertida. Hoje o que mais temos são reboots, sejam em filmes ou livros, que tentam inovar, mas acabam não saindo daquela fórmula tradicional ou da mesma premissa da história original. E aqui senti que a autora, Heather Walter, fez exatamente o oposto, ela foi muito criativa e única ao reimaginar o mundo da Bela Adormecida por uma lente antes jamais explorada.
Quem imaginaria que aquela premissa clássica de um príncipe encantado acordando a princesa adormecida seria substituída por uma mulher acordando outra mulher, e não só isso, uma possível vilã acordando a princesa? Sério, genial, e o sonho de toda sáfica. Além disso, a construção de mundo aqui nesse livro é extremamente rica. Não me lembro muito da história original da Aurora, mas sei que Walter foi muito além ao incluir nesse universo: seres mágicos e poderosos como as Graces, os povos de Etheria, a guerra entre os povos, a poderosa rainha e sua linhagem feminina, a maldição milenar, e também o surgimento das Vilas.
O romance por si só talvez não se sustentaria se não fosse a construção de mundo tão detalhada e intrigante da autora. Todo aquele contexto de proibição, de leis e de perseguição torna o romance ainda mais épico e efervescente. O que Walter construiu deixou espaço para explorar ainda mais personagens e ainda mais mundo em futuros livros e spin-off da série. Tanto que acredito que o segundo livro da série tem um potencial enorme diante do pouco que foi explorado desse universo aqui.
Para mim, obviamente, o grande trunfo desse livro foi a própria protagonista, a Alyce. Achei de verdade que ela seria a vilã, que teríamos que desmistificar a ideia de uma vilã em seu auge com uma princesa, mas não é bem assim. Em teoria a Alyce é a vilã por ser metade humana e metade Vila, mas, na prática, ela é uma boa pessoa colocada em uma posição de desprezo, nojo e negligência em função de sua linhagem amaldiçoada. E de fato, a única pessoa que viu a Alyce por quem ela realmente era foi a Aurora, por isso eles se deram tão bem.
Até a própria imagem da Aurora é desmistificada aqui, pois ao se falar de uma princesa se espera uma garota meiga, fofa, educada e belíssima. E para muitos a Aurora de fato é assim, mas em realidade a Aurora não gosta de seguir regras, está farta de tudo e de todos e reconhece que sua beleza nada mais é do que a uma construção meticulosa da magia das Graces. Logo, eu achei lindo que a Alyce e a Aurora conseguiram se ver de verdade e se amar mesmo com tantos estereótipos construídos em cima das duas.
Os momentos que elas têm uma com a outra são tão genuínos e sinceros que é impossível não se apaixonar pelo que elas têm. A ideia de futuro das duas, de se casarem e de governarem juntas Briar tornando o reino um lugar melhor e mais justo para todos, é simplesmente linda. Infelizmente, mesmo a premissa do livro se pautando no romance das duas, eu acredito que elas não tiveram tempo suficiente juntas, e eu entendo que provavelmente a autora estava pavimentando o caminho para o segundo livro, mas partiu meu coração não conseguir vê-las sendo felizes juntas.
Os personagens secundários são outro grande trunfo do livro, a exemplo das Graces da Casa Lavender, do Endlewild e também de Kal. Eles servem muito para antagonizar a Alice e para mostrar a quão odiada ela é naquele reino. Obvio, que há algumas figuras de apoio nesse meio, como o Kal e a Lauren, e eles mostram justamente o oposto, que a Alyce não é tão ruim quanto as pessoas tentam a convencer. E é interessante, pois além de trazerem um contraste, positivo e negativo, para a protagonista, eles também têm suas próprias timelines enriquecendo ainda mais a história.
O livro tem dois grandes plot twists que na minha visão são totalmente previsíveis, mas mesmo assim não conseguem prejudicar a experiência da história, pois todos eles ajudam a levar ao clímax final da personagem. E que clímax! Confesso que amei e, ao mesmo tempo, odiei, eu amei porque as pessoas realmente tiveram o que mereceram por odiar tanto a Alyce ao longo do livro e odiei porque a autora comprometeu propositalmente o romance e o universo para a continuação da narrativa em um segundo livro.
E apesar de eu não fazer ideia de como Walter resolverá todo o caos que ela criou, confesso que estou muito animada para descobrir, pois como disse antes o universo aqui é muito rico e muito bem-criado. Assim, seria uma pena se a história acabasse no primeiro livro sem ter seu potencial totalmente explorado. Tenho certeza que o segundo livro trará vilãs ainda melhores delimitados do que aqui. Honestamente, Alyce não fez nada de errado, é isso que acontece quando não deixam os LGBT serem felizes: "If they want a monster, they shall have one."