Roberta 25/04/2022
Citarion e o pecado capital da fantasia
Este livro foi escrito para um público infantojuvenil; portanto, não sou o seu público-alvo, mas participo de um grupo de leituras e todo mês lemos o livro de algum de seus membros, sendo As Crônicas de Citarion a obra de março de 2022.
Para uma história tão curta, seria de se esperar que eu a devorasse, só que não foi assim, e o final foi a parte mais arrastada de todas. A lógica dita que deveria ser o contrário, que o começo seria mais arrastado do que o final (pelo menos é assim que acontece em praticamente todas as obras que leio), porém, por incrível que pareça, gostei mais do início do que do fim.
Vou explicar.
No que se refere a este livro, na primeira metade senti os capítulos muito fluidos e velozes, quase como se passassem voando sem eu perceber. No entanto, conforme o desenrolar do enredo, fui sendo retida cada vez mais na lentidão das palavras, como se elas fossem aos poucos perdendo a força de impulsão e, consequentemente, o ritmo.
Não me levem a mal, há muitas coisas boas na obra. Por exemplo, o sistema mágico é muito criativo, apesar de não necessariamente inventivo. Eu encontrei várias passagens que me remeteram de modo automático ao Senhor dos Anéis e até mesmo a Star Wars (ao segundo menos do que ao primeiro). Havia referências claras à obra-prima de Tolkien em diversos momentos, e não à toa, visto que o próprio autor da obra me revelou que ela é uma de suas influências diretas. Achei interessante o Saulo ter dito isso, embora eu tenha sido capaz de perceber o fato mesmo sem a informação.
Entretanto, voltando ao assunto do livro, dá para perceber que o texto é repleto de inconsistências gramaticais e de concordância. Algumas palavras foram comidas, havia erros dos mais diversos e repetições de palavras, o que dificultou um pouco a imersão, pois a leitura era constantemente interrompida quando meus olhos repousavam sobre um erro. Saulo Alves (o autor) me disse que esse foi um erro editorial, que a editora disponibilizou a versão sem revisão em vez de disponibilizar a revisada, mas não sei... pode até ser verdade, mas pela falta de qualidade do texto eu imaginei que mesmo a versão revisada pudesse conter os erros que encontrei, pois eles não eram somente gramaticais. Como eu disse, faltou concordância verbal; o tempo da história, que era o passado, às vezes escorregava para o presente. Isso me alertou para o fato de que a obra talvez precisasse passar por uma revisão mais caprichada, a fim de despoluir o texto desse tipo de equívocos.
Além disso, preciso falar do enredo, que também tem problemas. Como a história é destinada a um público específico, compreendo que a linguagem devesse ser facilitada para que os seus leitores pudessem entender. Mesmo assim, não creio que isso sirva de justificativa para reter informações tão importantes. O enredo carece de uma apresentação de personagens adequada, o que prejudica o restante do arco narrativo, em especial no que se refere à motivação dos protagonistas em partir para a aventura. O autor não deu atenção à caracterização dos personagens para além do óbvio (aparência física), não nos introduziu à amizade existente entre eles, não preparou o terreno para o conflito. Tive uma sensação engraçada enquanto lia: eu nunca sabia quem estava falando. Não fosse pela indicação dos nomes, jamais haveria a identificação de quem era a pessoa em questão na cena. Essa é uma coisa delicada, porque me faz perceber que o autor não se preocupou em construir um psicológico para os personagens. A história estava voltada única e exclusivamente para a aventura, o que até seria uma coisa relevável se a aventura tivesse sido realmente interessante.
Senti uma tentativa urgente do autor em tentar explicar as coisas, gerando um excesso de informações. Sabem quando o escritor fica dizendo o tempo todo que fulano estava triste, ou feliz, ou irritado? Pois é, para mim faltaram mais cenas que demonstrassem os sentimentos dos personagens, que mostrassem a camaradagem entre os amigos etc. É quase como se as cenas fossem se desenrolando sem muita coesão. Foram diversos capítulos cortados que passavam uma impressão de continuidade, mas que, na verdade, estavam ali mais em prol do fluxo do enredo do que da construção dos personagens.
Sei que o autor tem muito potencial para criar mistério, mas faltou adquirir algumas habilidades para deixá-lo realmente surpreendente. Por exemplo, aconteceu de os capítulos não terem aprofundamento. Foram diálogos superficiais e não houve nenhuma cena que demonstrasse as emoções, como mencionei antes, apenas descrições simples contando quais eram elas. É um caso claro de “conte, não mostre”. Como o autor contava as coisas sem mostrar nada ao leitor, isso acabou deixando a leitura monótona, pois não foi construído nenhum senso de identificação com os personagens. Além disso, a repetição constante de ideias cortava o fluxo da narrativa. Chegou um ponto em que eu não aguentava mais ler sobre as mesmas coisas.
Eu acho particularmente difícil falar sobre uma história sem dar spoiler, ainda mais quando há pontos claros a serem resolvidos, mas dei o meu máximo para expressar as minhas ideias sem revelar pontos importantes da trama. Em resumo, As Crônicas de Citarion é uma obra muito interessante, cativante e criativa, mas a sua execução é insuficiente em vários momentos. Eu pude notar pela leitura que o escritor era amador, e teria notado isso mesmo se o próprio Saulo não tivesse me dito que esse foi o seu primeiro livro. Não há nenhum problema em escritores amadores escrevendo seus primeiros livros (eu mesma escrevi o meu primeiro em algum momento), porém não poderia atribuir a mesma qualidade a um livro amador que atribuo a um que não é. Não seria justo. Assim, em resumo, temos um enredo enxuto, mas fluido, com pouco desenvolvimento de personagens, muita repetição de ideias e inconsistências no texto. Não é um desastre, pois a fantasia é muito rica, porém o pecado capital dos escritores de fantasia é justamente esse. São em geral enredos muito desenvolvidos e mal executados, porque o que mais importa não é construído, que é o personagem. E nesse caso, faltou. Mesmo que o mundo, ou o sistema mágico, fosse impressionante, nada disso vale se não há identificação. O leitor não vai desenvolver interesse pelo seu mundo se não houver um bom personagem para prendê-lo a ele. É assim com qualquer obra por aí, o próprio Senhor dos Anéis como um exemplo claro. O que seria da grande Guerra do Anel sem os pequenos e carismáticos Hobbits? Me arrisco a dizer que não serviria de quase nada.