naniedias 24/03/2012Laranja Mecânica, de Anthony BurguessAlex é um adolescente violento. Com Georgie, Pete e Tosko, ele anda pelas ruas da cidade à noite aterrorizando - roubos, violência, estupro.
Até que ele é preso e a vítima de uma de suas agressões morre. Alex então vai parar na prisão.
O que eu achei do livro:
És fluente em Nadsat, ô, querido irmãozinho? Pois se a resposta a essa pergunta é não, eu só tenho a dizer: bem-vindo ao horrorshow mundo criado por Anthony Burgess.
Calma, você não precisa saber nadsat para ler o livro. Aliás, você não deve saber nadsat. A terceira versão brasileira*, essa que estou resenhando e que foi publicada pela editora Aleph, assim como a primeira traz um dicionário de nadsat no final do livro. A ideia não partiu do autor, ele não queria que nós, pobres mortais, entedêssemos perfeitamente tudo o que Alex narra. Aliás, esse é justamente o ponto: não compreender o narrador.
Laranja Mecânica, juntamente com 1984, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, forma uma trinca de sensacionais livros de ficção que criticavam duramente a sociedade do século XX (que, infelizmente, evoluiu para algo muito parecido com o premeditado pelos três autores: a nossa sociedade). A distopia tão aclamada na atualidade não é novidade. E se você não leu esses três livros, ainda não pode afirmar que conhece as principais obras distópicas.
Antes de começar a falar sobre a obra em si, eu preciso falar dessa edição. Com uma capa intrigante, que apesar de não ter muito a ver com a história ficou ótima no livro, a edição vai muito além de uma diagramação bem-feita. A tradução ficou maravilhosa - eu que não costumo gostar de "aportuguesamento" de termos e nomes, achei que o trabalho do autor Fábio Fernandes ficou excelente. Há uma "Nota sobre a nova tradução brasileira" logo no início do livro explicando algumas escolhas do tradutor na hora de realizar o seu trabalho - e eu achei muito interessante todo o estudo que foi feito para conseguir o resultado final que tanto me agradou. Como existe uma língua criada dentro do livro - o nadsat, montado como uma mistura de inglês com russo e cigano - a tradução da obra de Burgess não é nada trivial. Manter os termos na forma original faria com que a maioria dos leitores brasileiros não entendensem nada e tivessem que recorrer ao dicionário (o que faria com que a grande graça do livro fosse perdida). Então decidiu-se por manter alguns termos e adptar outros; e tenho que dizer que achei incrível a forma como isso foi feito. Algumas expressões ficaram um tanto cômicas, outras puxadas, assim como devem mesmo parecer as expressões usadas pelos jovens quando pessoas mais velhas as escutam - ou seja, ficou excelente! E ainda podemos contar com uma maravilhosa introdução escrita pelo próprio Fábio Fernandes sobre a obra. Não seria a mesma coisa ler Laranja Mecânica sem essa introdução. Portanto, é mais do que merecido o parabéns à editora Aleph pelo primoroso trabalho e, principalmente, a Fábio Fernandes pela maravilhosa tradução e introdução.
Voltando à história.
A primeira versão de Laranja Mecânica surgiu da ideia de passar para o papel o que Burguess via nas ruas - as lutas entre gangues, a violência desmedida, as gírias adolescentes. Porém, ele se preocupava com o fato de que aquelas gírias iriam sumir rapidamente - e o livro estaria ultrapassado, por se tratar de gangues do passado. Mas uma viagem à Rússia acabou por lhe dar a ideia que tornaria Laranja Mecânica um dos melhores livros do século XXI segundo as mais importantes listas: ele criaria a gíria de seus personagens - uma mistura de inglês, russo e língua cigana. Uma fala ritmada e rimada, com um pouco de inglês vitoriano. Assim nascia o nadsat (palavra que quer dizer jovem): a linguagem de Alex e seus amigos.
O livro é ambientado em um futuro próximo e é narrado em primeira pessoa por Alex - o adolescente problemático. E ele fala com o leitor como se estivesse falando com seus amigos, ou seja, utilizando seu estranho modo de falar e suas palavras aparentemente sem sentido.
Na primeira edição americana, inseriu-se um dicionário de nadsat, para que o leitor pudesse entender o livro. Mas esse não era o objetivo de Burguess e já adianto que se você ler olhando o dicionário vai perder um dos pontos essenciais do livro, que é se sentir velho, fora do mundo de Alex - um adulto olhando os incompreensíveis erros de um jovem. Não compreender todas as palavras do protagonistas faz com que nos sintamos fora do mundo dele, como adultos que não conseguem atingir a nova geração. Essa era a ideia do autor - e o nadsat nos proporciona isso. Então, não use o glossário. Depois que terminar a leitura, pode ser bacana ler os termos e perceber quais palavras você havia entendido, quais havia simplesmente ignorado e quais havia errado completamente o significado, mas não o consulte enquanto a leitura estiver em andamento - por maior que seja a curiosidade. Se preciso for, danifique seu livro arrancando fora o glossário, mas não danifique a leitura dessa história.
O livro ainda faz uma crítica à sociedade e o autoritarismo estatal. Algumas questões filosóficas também são levantadas pelo autor. Não é possível ler Laranja Mecânica em apenas um dia, apesar de ter uma linguagem simples (embora em alguns momentos incompreensível, por causa do nadsat) - é uma leitura densa, que faz o leitor refletir muito.
Laranja Mecânica é divido em três partes, de sete capítulos cada uma - totalizando 21 capítulos, que representam a maioridade do protagonista. As edições americanas até o início da década de oitenta não tinham esse último capítulo, que, na minha opinião, é super importante para esse livro - quase que uma lição final imposta pelo autor: não se esqueçam, vocês já foram jovens e quando jovens não sabiam tudo o que sabem hoje, de forma que erraram e muito; mas todos crescem um dia.
Tem tanta coisa que eu gostaria de discutir nessa resenha, mas não quero entrar em detalhes, contar todos os acontecimentos do livro (afinal de contas, quero apenas instigá-los a ler essa história e não substituir a leitura com um resumo da obra). Deixo apenas assinalado que muita coisa acontece em Laranja Mecânica. É um livro intrigante, dolorido, chocante e maravilhoso!
"Mas que tipo de mundo é esse? Homens na Lua e homens girando ao redor da Terra como mariposas numa lâmpada, e ninguém presta mais atenção às leis e à ordem terrenas."
PS: O livro foi brilhantemente adaptado ao cinema pelo diretor Stanley Kubrick em 1971. O filme tornou-se um clássico do cinema mundial e um dos principais trabalhos do famoso diretor. A versão cinematográfica não é totalmente fiel ao livro de Burguess, mas também vale a pena ser assistido.
PS2: Não deixe de ler a Introdução de Fábio Fernandes. Ele consegue falar brilhantemente sobre essa obra e dá ao leitor informações muito interessantes sobre o autor e o livro.
PS3: NÃO CONSULTE O GLOSSÁRIO ANTES DE TERMINAR A LEITURA, drugui querido.
PS4: Eu queria escrever algumas frases em nadsat na resenha, mas me abstive a um "ô, irmãozinhos", no início, um "horrorshow" e um "drugui" no final. Se eu colocasse muitas palavras em nadsat o texto ficaria bolshi kali bizumni, eu teria que explicar tudo para vocês kopatarem e seria aquela kal total. Então, pronto, usei só um malenk de nadsat para vocês não ficarem como se tivessem tomado um moloko.com e conseguirem ponear a razkaz toda. Não fiquem razdraz comigo, druguis, esse último ps não fala nenhuma kal dorogoi, serve apenas para confundir mesmo.
* A saber, a primeira versão brasileira foi publicada em 1977 pela editora Artenova, a segunda em 1994 pela editora Ediouro e essa terceira edição em 2004 editora Aleph.
Nota: 10
Dificuldade de Leitura: 7
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