renan639 04/11/2024
Laranja mecânica tem algo difícil de explicar. É um livro controverso, narrado por um recém-saido-da-adolescência que usa um dialeto específico da sua tribo.
Apesar de parecer bobo, ter uma linguagem direta e um ritmo de acontecimentos acelerado, consegue trazer para a superfície dilemas individuais e coletivos sobre a natureza humana. Faz isso de forma quase distópica, mas muito próxima do que a história tem documentada sobre a capacidade humana de fazer o mal e como esse conceito é de difícil tradução. Isto porque, em Laranja mecânica, aparentemente ninguém sai ileso: o protagonista, os pais, os idosos, os policiais, o estado, os médicos, as vítimas das violências: todo mundo, em algum grau e por algum motivo, comete maldade. A questão é que umas são mais justificáveis que outras, porém todas estão encadeadas e ligadas na visão global.
Burgess conseguiu desenvolver ao mesmo tempo um personagem repugnante e cativante, justamente pela ambivalência da sua posição: ora agressor, ora vítima. Através dele e com ele nos questionamos sobre o significado do mal, qual é a noção de justiça que nos afeta e como o bem pode, se é que cumpre essa função, salvar.
Ao contar a história sem pudor, sem medo de tratar de temas polêmicos, quase como fazendo uma anatomia da maldade, Laranja mecânica consegue atravessar o tempo pela franqueza e objetividade da narrativa.