Auristela 07/08/2024
RUÍDO NEM SEMPRE É ONDA SONORA
Ruído é a variabilidade, quando indesejada, em julgamentos que deveriam ser idênticos. Um tipo de erro imprevisível que não podemos explicar facilmente. E onde há julgamento, há ruído, partimos desse ponto, é disso que trata o livro Ruído, uma falha no julgamento humano, dos autores Daniel Kahneman, Olivier Sibony e Cass R. Sunstein.
Conceituado o termo, vou começar essa crônica, relato, resenha de livro complexo, jogando conversa fora:
Se olhar a partir da minha cidade, a praia fica à direita do mapa, a Leste. Não obstante, ao transitar pela Rua Luiz Bolmann, sentido da praia, me deparo com uma placa indicando: Joinville (é nível do mar) pegue à esquerda até o trevo próximo ao Fórum.
No horário que passo ali, são nove da noite, não há trânsito. Estou indo levar ou buscar o caçula na autoescola. Ignoro a placa. Sigo reto até o cruzamento em cruz, livre de semáforos, mão dupla para os quatro sentidos. Reto, depois à direita, esquerda e chegamos. Eu poderia seguir adiante, sempre à direita, até a praia, como expliquei: a praia fica à direita, se olhar da minha cidade. Não posso ir na piscina, estou medicada para gripe, resfriado, rinite, bem ao certo nenhum médico sabe, sozinha em casa, está quente, penso em praia.
Li, de jovem, O pequeno grande manual de instruções para a vida, de H. Jackson Brawn Jr., lembro de que deveria, no mínimo: ter um cão, viver desconhecida, pegar o caminho mais bonito. Discordei a vida toda sobre a necessidade de ter um cão, vivo desconhecida, sigo à risca a instrução de pegar sempre o caminho mais bonito.
Me ocorre que o trevo redondo é mais seguro que o cruzamento em cruz e que talvez em outro horário fosse melhor ir por lá. Mas a praia fica mesmo para direita e meu cérebro tonto escolheria ficar na fila de carros esperando, fosse em pior hora. Nem engenheiro de trânsito ou a IA do GPS me convenceriam do contrário. Fui instruída de jovem a pegar o caminho mais bonito e então desse ponto outras pessoas poderiam argumentar que era melhor ter saído por Corupá.
Descrevi acima um exemplo de como as pessoas julgam, como escolhem, algo que é simples: qual o melhor caminho. Veja a variabilidade no julgamento que aí já se apresenta e depois tente imaginar o impacto de tudo que temos em mente quando vamos julgar sobre coisas mais sérias como: diagnósticos médicos, prêmio de seguro, o melhor investimento, a guarda de menores, adoção, pedido de asilo, anos de condenação para um crime, reparação punitiva, concessão de patentes, melhor desempenho...
Ruído vem nos ensinar a minimizar a variabilidade indesejada nos julgamentos diários, através da utilização de algumas técnicas: higiene da decisão; agregar a visão de fora e outros julgamentos independentes; ter pensamento estatístico, encontrar taxa base; recorrer a um observador de decisão; fazer equiparação; inserir escalas, diretrizes, protocolo de avaliações mediadoras; decompor o julgamento em elementos individuais e assim protelar a decisão sem rejeitar a intuição, apenas deixá-la para depois; ter humildade.
Nos mostra como fatores que seriam supostamente irrelevantes afetam nosso julgamento diário, especialmente nos julgamentos singulares, não repetidos. Que isso pode gerar prejuízos e promover a injustiça. Que discordâncias são inevitáveis, mas, há um limite para quanta discordância é admissível. Que a inconsistência prejudica a credibilidade de sistemas podendo levar certas decisões ao nível das crueldades arbitrárias quando a prevalência do ruído nos leva a loterias de julgamento que geram incertezas.
O livro naturalmente explora as inúmeras objeções que poderiam existir para tentativa de reduzir o ruído, como a de que algoritmos de decisão são desumanos, alertando sobre a abdicação da responsabilidade. Queremos que as pessoas sintam que são tratadas com respeito e dignidade, que sejam ouvidas nos seus casos particulares - é a mais relevante.
O que importa aqui resumir é: se você costuma julgar, decidir sobre algo que afeta outras pessoas, a leitura é imprescindível. Não julgue sem ler duas vezes. A chance de estar cometendo erros brutais e severas injustiças é enorme. Julgar corretamente o melhor caminho para ir para praia no inverno, isso pode esperar.
https://alegracatarina.wordpress.com/2024/08/07/ruido-nem-sempre-e-onda-sonora/