Clube do Farol 08/08/2022
Resenha por Elis Finco @efinco
É impossível após ler Dumplin’, que você conferiu a resenha aqui no Clube, assistir ao filme na Netflix, que também contamos o que achamos, não precisar ler esse livro, de preferência o quanto antes. E, claro, após a leitura, eu venho contar o que achei de Pudim.
Enquanto no livro anterior temos a história narrada por Willowdean, aqui temos uma história que divide a narrativa em primeira pessoa por duas personagens, Millie e Callie. Ambas eram personagens secundárias em Dumplin’ e agora ganham voz e protagonismo para contarem suas próprias histórias.
Diferente do que poderia se imaginar, essa história não continua a partir do desfile, esse agora é uma lembrança para Millie, que aparenta sentir mais que todas as outras pessoas a falta daquela antiga camaradagem surgida entre as garotas durante o concurso de beleza da cidade. Assim, vamos reencontrar todas elas e ver outro lado com Callie, o das super populares.
Mais uma vez Julie Murphy trabalha a diversidade como ela realmente é, algo que é muito além do que a maioria sendo invisibilizada pela minoria. Afinal, basta olhar em volta e ver que somos muito mais diversos que o modelo “ideal” que o preconceito tenta manter como parâmetro. Esse livro não é sobre pessoas gordas, é sobre pessoas. Vai além da cor da pele e, ainda sim, tem temas universais a todos como sexualidade, bullying e, claro, pessoas e seu peso.
Não foi uma leitura que logo de cara conseguiu me envolver. Se encantar com Millie é tão fácil, desde Dumplin’ vemos seu jeito de ser doce e otimista, e sob uma superfície de filha da mamãe esconde alguém capaz de participar de um concurso escondida dos pais. O que só me dizia que saber mais sobre ela seria incrível!! Diferentemente dela, Callie não deixou a melhor das impressões no livro anterior. Ela era só a garota popular que ficou entre a amizade de Willow e Ellen. E já aviso que nos primeiros capítulos nossa antipatia não vai diminuir e pode até mesmo aumentar. Afinal ela parece ser tudo que pensamos e ainda pior.
Os fortes e marcantes contrastes entre elas colocam várias coisas em perspectiva e, além de reflexão, vamos vendo o castelo dos sonhos de Millie querer se tornar real, o castelo onde Callie reinava ter, uma a uma, suas pedras serem derrubadas e destruídas. À medida que fui lendo, fui sendo mais e mais cativa e na leitura me reencontrava com as personagens que tanto me conquistaram no livro anterior, cada vez mais a vontade de continuar a leitura com só por mais um capítulo ia aumentando.
Vamos descobrindo que pensar que a grama do vizinho é mais verde é enganoso, todas às vezes. Amei o fato de focar que muitas vezes, de tanto sermos julgados pelo que pensam de nós, começamos a deixar de ser quem somos para atender essas expectativas e isso não trará felicidade a ninguém. Com uma escrita sensível, porém verdadeira e necessária, a autora vai trabalhando cada um dos temas da maneira mais verdadeira possível. Como sempre, fazendo com que a leitura fosse repleta de reconhecimento, identificação e, claro, representatividade.
Temos também um livro mais maduro, no sentido das batalhas que cada uma trava, vai muito além de se aceitar gorda ou das vantagens em “ser magra”. A questão aqui não são as limitações a que cada um se impõe, mas as que permitem que imponham. Aquele sentimento de aceitação social, que faz com que deixe de pensar em si, de forma individual, e passar apenas a ser o coletivo. Ou seja, sobre se perder para se encontrar.
Adorei a linguagem usada na trama e os diálogos ganham os toques de modernidade, com mensagens de celular, chats de conversa individual e, claro, em grupo e as redes sociais ganhando cada vez mais protagonismo na vida dos jovens. O choque de gerações também aparece de forma discreta, mostrando que podemos tanto aprender como ensinar com nossos pais e tutores.
Amei o final da trama, sem deixar nenhum personagem abandonado ou com um final ridiculamente aberto, mas com ótimos ganchos para uma próxima história. Nada de passes de mágica, o “viveram para sempre”, mas condizente com a trama e a realidade, ao melhor estilo “viveram felizes tanto quanto poderiam ser”. Mais uma vez, a força da amizade e da confiança são destaques, porém é ainda mais forte a mensagem de que as mulheres não precisam ser ini-amigas. Callie cresceu muito ao longo do livro, sem deixar de ser ela mesma, porém a cada nova desconstrução. ela se construía de forma melhorada. Millie aprendeu a verbalizar suas emoções e desejos de uma maneira muito especial, sem começar a ser agressiva ou se perder nesse processo. Foi muito especial acompanhar a jornada delas.
A edição física vem com toda a qualidade, beleza e charme que a Editora Valentina dá as suas publicações, capa linda, sensorial com o título em relevo, orelhas lindas que protegem a capa e trazem informações deliciosas sobre a série e a autora. Contudo, o grande destaque vai para a tradução, de uma sensibilidade ímpar para com o texto e a representatividade. Não estou falando de politicamente correto, não, estou falando de uma tradução absolutamente atual e respeitosa para com as pessoas fictícias da história e reais que estão lendo o livro. Uma revisão bem feita. Um livro dois digno do anterior e que cria altas expectativas para a continuação.
site: http://www.clubedofarol.com/2022/01/resenha-pudim.html