spoiler visualizarHamanda.Freires 30/08/2024
Suite Brasil
Alguém classificaria como moral uma mãe deixar em segundo plano a mínima criação de uma filha para ser plenamente realizado no trabalho e se apaixonar? creio que não!E se de repente essa criança que está sem o afeto da mãe é roubada pela sua dedicada babá? será que essa babá seria heroína ou também vilã? é sobre o que para sociedade é amoral que suíte tóquio nos conta sua história através de Fernanda e Maju com suas vidas, escolhas e consequências. Eu gosto de como a autora constrói a Fernanda, particularmente eu não gosto da criação de mães como seres supremos. Quem sou eu pra afirmar isso, tendo em vista que ainda não sou mãe, mas a maternidade como conhecemos hoje é também uma construção social (polêmica). Longe de mim negar o afeto genuíno - eu acredito verdadeiramente nele - porém, mães são pessoas passíveis de erros e também de não terem necessariamente a vocação para serem mães, mesmo tendo dado a vida a alguém. Quando eu falo que eu gosto que existam essas mães reais na ficção ou que venham a tona essas Fernandas da vida real, é porque muitas vezes quando essas mulheres que não exercem o mínimo da responsabilidade de seu papel de mãe são massacradas, o foco vira apenas elas, o que dificilmente traz a tona o sofrimento dos filhos, esses sim, afetados muitas vezes pela falta de cuidado dos seus responsáveis. Eu não estou me posicionando a favor da mãe, a Fernanda é desprezível para mim, mas sou a favor que essas pessoas existam, para que todas as mulheres que são mães tenham o direito de fazer suas escolhas e se responsabilizar por elas por mais perverso que isso possa ser. Se Fernanda fosse o pai, certamente não existiria a intensidade do julgamento, pois tendemos a moralizar o esforço masculino em trazer o pão para dentro de casa e perdoar as puladas de cerca quando eles têm uma mulher que só é devota à casa e aos filhos. O impasse no final do livro é que Fernanda se culpa muito quando se vê sem a possibilidade de ter sua filha de volta depois do desaparecimento. Mas, ainda nas horas de desespero ela pensa na amante, cogita até largar tudo pra ficar com a Yara se a criança não aparecer. O final do livro incerto, para mim, é uma forma de deixar o leitor criar o seu próprio final. Fernanda fica com o marido? a amante dá sinais de não estar mais tão apaixonada, Fernanda tentaria seguir essa paixão? Mudaria como mãe? desistiria do trabalho que lhe exige em troca qualidade de vida? Eu vou tentar construir meu final, mas antes, fica claro que a história da mãe foi a que mais me impactou,só que a história da Maju também é muito marcante.
Outro cenário real, porém como é mais comum, "normalizamos". O clássico exemplo de uma pessoa assalariada, principalmente empregadas domésticas, que perdem a própria identidade e vida porque vivem para trabalhar. Vivem mais da metade do seu tempo na casa de patrões e perdem um universo de possibilidades pela necessidade do seu sustento. A Maju é uma pessoa comum, mas sem uma personalidade diferenciada. A vida dela é o trabalho e sua própria casa. O novo amor e o marido lhe trazem ânimo e estabilidade, mas uma cilada/manipulação disfarçada de promoção faz com que ela perca seu marido e consequentemente a possibilidade do filho que tanto sonhara. Maju, como uma boa parte das mulheres brasileiras é assediada (no caso dela, estupro) e quando se permite viver um amor, o perde para o trabalho que lhe consome muito. É abandonada sem um adeus e ainda santifica o marido por que não levou a TV e não deixou o cachorro para lhe dar trabalho. Eu como leitora, romantizei a partida do Lauro através da Maju, mas páginas depois eu caí em mim e refleti que por mais bom e reservado com as palavras que fosse aquele homem, ele abandonou sua esposa e os planos feitos juntos. Maju pra mim não é uma pessoa ruim, tanto que depois de uma tentativa de roubar a criança sem sentido, ela se dá conta que não pode dar tudo que a menina precisa, que é uma vida estável. E não é pelo fato de não ter um homem e dinheiro não, mas pra mim, no fundo Maju entende que essa não é a solução pra ela mesmo e pra Cora, e chega a essa conclusão através de um outro tema tão presente em nossa sociedade: a fé. Eu gostei muito da leitura, ela me traz reflexões sobre a passividade em excesso ( na figura do Cacá), a maternidade desejada, a maternidade não alcançada, o efeito do trabalho em níveis mais simples e com mais status, a relação de poder entre patrão e empregado e a invisibilidade de trabalhadores assalariados por parte dos patrões (me doeu muito o desprezo que a Fernanda tem pela Maju), os efeitos que um assédio tem na vida de uma mulher entre tantos outros.
E no meu final do livro a Maju vai ser dada como desaparecida, ao meu ver ela tenta voltar para o seu interior e a família da Cora vai achar que ela será assassinada ou coisa assim, deixando claro a invisibilidade que a empregada doméstica tem no Brasil, pois no meu final ela é esquecida por essa família. A Fernanda permanece com o marido, pois a passividade dele traz estabilidade que ela precisa em casa para continuar sua ambição profissional. Ela encontra outra babá e o curso da vida segue. Provavelmente acaba se aproximando da filha, mas nada que chegue nos padrões mínimos, e ficará com Yara até ser dispensada. E certamente se a vida der uma chance, ela entra em outra relação extraconjugal. Eu realmente acho que ela é egocêntrica e narcisista, não deve mudar além de uma dessas mínimas possibilidades de um adulto com mais de quarenta anos mudar da água pro vinho. E a suíte tóquio terá uma nova moradora.